Política e comédia
Corpo do artigo
Retomo os temas que abordei no final da minha crónica da passada sexta-feira. Afinal, não perderam atualidade. É um sinal perverso da escassez de matéria noticiosa que desde sempre afeta o nosso universo comunicacional. Porventura, explicará o lugar que o semanário "Expresso" continua a ocupar no panorama do chamado "jornalismo de qualidade" e, reversamente, oferece uma explicação benévola para as dificuldades que sempre enfrentou um jornal diário, o "Público", com o rasto de "cadáveres" sepultados à margem do seu curto caminho. A propósito dos apelos internacionais à integração fiscal da União Europeia, realçava aqui, na semana passada, a atitude do humorista britânico, Jimmy Carr, que se veio desculpar, publicamente, de ter recorrido a um esquema de "evasão fiscal" bem conhecido que, embora não fosse proibido por lei, fora denunciado pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças britânicos como "moralmente condenável". Apesar de tal "esquema" ser completamente legal, o comediante anunciou que já o tinha abandonado e que de futuro iria conduzir os seus assuntos financeiros "de forma mais responsável".
Passando do Reino Unido para Portugal e trocando a ética fiscal pela ética política, destacava o escândalo do envolvimento direto e pessoal do ministro que "tutela" a Comunicação Social numa tentativa flagrante de impedir a publicação de notícias que lhe eram adversas. Registava aqui, com amarga ironia, que Miguel Relvas bem podia dormir descansado com a "absolvição" da Entidade Reguladora da Comunicação Social, sob a alegação de que não fora demonstrada a prática de qualquer ato ilícito! Claro que se tal demonstração tivesse sido feita, o ministro continuaria a gozar da "presunção de inocência" até à eventual condenação definitiva, não pela ERC, mas por um órgão do poder judicial... o que sugere, enfim, a total irrelevância da autoridade supostamente reguladora, como aliás parece reconhecer o seu atual responsável. Onde emergia, exclusivamente, um problema de ordem ética e deontológica, agravado pela circunstância de se inscrever precisamente no desempenho de funções governamentais que apenas em nome da proteção da liberdade de informação se podem justificar, inventaram-se distinções capciosas entre "ilicitude" e "imoralidade", para iludir e evitar as inevitáveis consequências políticas que tal procedimento devia, de imediato, merecer.
De regresso à ética fiscal, chamava a atenção para Miguel Cadilhe e a sua proposta, cuidadosamente fundamentada, da criação de "um imposto sobre a riqueza", uma questão, aliás, que há muito permanece viva e atual no debate europeu. Se é verdade que a persistência das políticas de austeridade é inelutável, parece lógico procurar fórmulas financeiras mais equitativas que em vez de continuarem a flagelar os grupos sociais mais desfavorecidos, atinjam, seletivamente, os mais privilegiados. Por isso, saudava a ousadia do antigo ministro do PSD como "uma verdadeira reforma estrutural para este país dilacerado pelo fosso crescente entre ricos e pobres e por uma cultura política egoísta e mesquinha". Contudo, a oportunidade do debate perdeu-se entre os "sucessos" da bola e o "sucesso" do ministro da informação.
Enquanto o "sucesso" é uma coisa simples, objetiva e mensurável que não carece de fundamentação, a ética, pelo contrário, é uma matéria densa e "subjetiva", requer a construção de juízos complexos, exige rigor e implica consequências, por vezes dolorosas, que confrontam a consciência e mobilizam a liberdade individual. O que explica a facilidade com que a meta do sucesso se veio a impor como padrão e valor único na sociedade da comunicação universal e instantânea, arredando como dispensável arcaísmo, a ambição da perfeição moral.