<p>E se os homens que, alegadamente, planearam o 11 de Setembro, fossem absolvidos pelos tribunais americanos? Não há, num modelo judicial sério, sentenças predestinadas. Hipoteticamente, os ex-detidos de Guantánamo, usando todos os meios de defesa, podem triunfar. E qualquer pessoa declarada não culpada, depois de percorrer todas as instâncias judiciais, é, para o Estado, um inocente. Mesmo que, para a sociedade, e para os "ventos da História", e para a consciência pessoal, seja um evidente culpado. O caso O. J. Simpson não foi, afinal, há muito tempo.</p>
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Mas a verdade é que a expectativa de uma absolvição dos chefes da "al-Qaeda", muito justamente, escandaliza a comunidade. Para além do raciocínio meramente processual, há outros, incluindo o político.
Dos EUA à Rússia, do Japão a Marrocos, não conheço um país onde não se discuta a relação entre "política" e "justiça".
Não há regimes de justiça "perfeitos". E a administração da justiça é, por essência, "política", no sentido em que realiza um poder soberano do Estado, ao lado do executivo e do legislativo.
Mas existe uma "luta pela justiça", em todos os sistemas, que possui objectivos bem claros, embora limitados. Primeiro, assegurar que a "politização", natural e inevitável, dos tribunais, não se traduza em "partidarização" dos mesmos. Depois, conseguir que o poder judicial seja, como os outros poderes, controlado, repartido, sujeito a fiscalização, disciplina e apelo.
Por fim, espera-se que as normas que guiam os tribunais e os investigadores sejam criadas por legisladores mandatados e legítimos. E que o poder judicial decida só em função das mesmas. Ou da interpretação que lhes dá, sempre balizada por critérios o mais possível determinados, objectivos e densos.
Em Portugal, a situação não é diferente. O nosso sistema é melhor do que se julga. Não foi criado por sonâmbulos, embora tenha tido demasiados aprendizes de feiticeiro, em determinadas épocas, a dizer de sua injustiça.
Mas o actual modelo, que sofreu muitas melhorias, fica sempre distorcido por diversas pedras no sapato. Conhecemos os atrasos dos tribunais, as deficiências da burocracia, a crónica falta de meios. Mas temos visto, na última década, um novo problema: o da interferência dos média, servindo ou traindo o público, no circuito judicial. Isto é atenuado pela necessidade real de informar os cidadãos. E agravado pelos apetites mediáticos dos "operadores" e interessados.
O que pensar, por exemplo, dos advogados que saem de uma inquirição, ou de uma sessão de julgamento, ou de um interrogatório, e procuram ganhar, na Comunicação Social, o que não conseguiram no sítio próprio?
O que pensar dos arguidos que, com memória selectiva, escolhem elementos em segredo para revelação, e mantêm outros dados no sigilo absoluto?
O que dizer de causídicos que, não tendo convencido nem magistrados nem juízes, procuram executar um curto-circuito populista, e persuadir os espectadores de televisão?
Esta prática tem riscos. Não só porque, como se diz, pela boca morre o peixe, mas também porque, fora da sisudez dos tribunais, o ridículo também mata.
P.S.: Um relativamente pequeno - mas sentido - abalo de terra coloca-nos, outra vez e sempre, perante a necessidade de ter o Estado a investir, sem complexos e com cabeça, nas medidas de protecção e emergência. Como nos acidentes graves, só demasiado tarde se percebe a necessidade dos cintos de segurança...