Um dos princípios inscritos na matriz de um Estado de direito democrático é o da separação e interdependência de poderes, nomeadamente do político e do judiciário. No âmbito da criminalidade, os tribunais, órgãos de soberania, vêem os seus poderes e deveres delimitados pela CRP, CP e CPP.
Corpo do artigo
A criminalidade económico-financeira, pela qualidade dos seus autores, pessoas com poder político, social ou económico, atrai a curiosidade e a voragem da Comunicação Social, das redes sociais e dos diversos partidos políticos. É assim que a política intercepta negativamente a justiça. Nos últimos tempos têm sido notícia alguns autarcas e ex-autarcas pretensamente envolvidos em actos criminosos do chamado colarinho branco. Em rubrica televisiva, um comentador opinava que um deles tinha de explicar política e publicamente os casos eventualmente criminosos que o envolviam enquanto autarca. Outro já se pronunciou dizendo-se alheio às disputas entre políticos do mesmo partido. Só que estes suspeitos ou arguidos não poderiam, nem podem prestar quaisquer declarações extraprocesso sobre matéria em investigação. Deputados de diferentes cores políticas exigem também explicações públicas, a prestar na AR, o que conflitua inexoravelmente com o segredo de justiça a que se está sujeito. É certo que é difícil manter a confidencialidade da investigação quando se mostra necessária a recolha de prova através de buscas e apreensões. Os jornalistas invocam o dever e a liberdade de informação protegidos pela CRP, mas a mesma consagra também expressamente o segredo de justiça. O que se nos afigura é que no presente, a independência e a confidencialidade do inquérito-crime vêm sendo cada vez mais capturadas pela política, quando em causa estão suspeitos ou arguidos detentores do poder local ou central, pois é criada uma irresistível atracção pelo uso, censurável, proibido e indiscriminado da justiça para fins políticos. Uma investigação é um inquérito para se apurar se houve crime, quem, quando e como foi praticado. Consabidamente esta fase termina com a acusação ou arquivamento do processo. No seu decorrer, não pode ser utilizado como arremesso político ou para notícias sensacionalistas, porque ainda não foram apurados os factos, autores e circunstâncias. Por outro lado conspurca-se, inevitavelmente, o papel essencial e fundamental dos políticos na afirmação da democracia, não sendo raras as opiniões sobre o pouco valor ético daqueles, sentenciando-se são todos uns corruptos, são todos iguais. Penso, com convicta consciência cívica, que o legislador tem de intervir, já que a auto-regulação não resultou. Deve reverter-se a complexa disciplina do segredo de justiça para uma simples e clara imposição do mesmo na fase da investigação, com penalização de quem por qualquer forma o violar. Não se trata de limitar direitos constitucionais, estar-se-á sim a salvaguardar a democracia e a dignidade dos seus representantes.
*Ex-diretora do DCIAP
A autora escreve segundo a antiga ortografia