Corpo do artigo
A greve é um direito dos trabalhadores. O que valerá para a greve geral que teve lugar em Portugal esta semana, que decorreu com normalidade, embora sejam de lamentar alguns excessos pontuais que ocorreram, aqui e ali, com piquetes de greve. Já o que se passou à porta do Parlamento nada mais foi do que o aproveitamento de uma data conveniente por grupos radicais que, a pretexto da antiglobalização, se passeiam pelo Mundo a organizar distúrbios, reclamando coisas interessantes como a legalização da canábis, o fim dos transgénicos e outras causas fracturantes.
Como de costume, a greve que se dizia geral passou ao lado do sector privado e só teve adesão no sector público. Ainda assim, causou danos não negligenciáveis à economia, principalmente devido à mobilização dos trabalhadores das empresas públicas de transportes, uma espécie de fidalgos da classe operária. Por cada um deles que fez greve, houve dezenas de utentes a não conseguirem chegar ao trabalho. E como se ouviu dizer, esses utentes, que não são tratados como clientes (e que sabem que, para além dos bilhetes e passes que pagam por um serviço que muitas vezes não lhes é prestado, há uma parte dos seus impostos que é despejada nessas empresas falidas) não se comoveram com as razões do protesto.
A verdade é que, por muito que os dirigentes sindicais reclamem o contrário, a greve foi, do ponto de vista da mobilização, um fracasso. E, na impossibilidade de contestar esse facto, lia-se num editorial politicamente correcto do "Público" que uma grande parte dos que foram trabalhar começou o dia com o desejo que a greve fosse um sucesso. Pois eu creio que este é um caso de "wishful thinking", pelo menos na sua avaliação quantitativa. Houve muita gente que quis trabalhar, e que o fez não só por necessidade mas, também, para afrontar quem ousa falar em nome deles. Quem ouviu o fórum da TSF e leu os comentários dos leitores nas páginas online dos jornais, apercebe-se de que para muitos, esta greve não fez sentido, na medida em que lhes complicou a vida e porque agrava os problemas do país.
Não se ignora que há uma quebra de compromisso entre o Estado e o cidadão, que sente que a vida está cada vez mais difícil, que sabe que as perspectivas são sombrias, que vê postos em causa direitos que tomara como adquiridos e que lhe tinham sido prometidos por gerações de políticos. Mas essa percepção só é verdadeiramente nova para quem trabalha para o Estado, e que acreditava ter um estatuto diferente. Compreende-se, por isso, o seu protesto. Aqueles que trabalham para o sector privado, muitas vezes com vínculos laborais ténues, conhecem bem essa realidade e não a consideram novidade. E, como ouvi dizer a alguns deles, compreendem a posição da CGTP, mas não entendem a UGT que, durante muito tempo, e por razões que João Proença talvez não queira explicar, fez vista grossa ao que se passou nos últimos seis anos.
Também Mário Soares, que deixou passar em claro as "políticas de direita" dos últimos seis anos, apareceu, em vésperas da greve geral, a fazer uma declaração politicamente correcta. Esquece, é claro, que numa situação menos grave, teve de meter o socialismo na gaveta, pediu-nos todos os sacrifícios e indignou-se com quem tentou levantar-lhe problemas. O momento escolhido para o seu manifesto tresanda a oportunismo e o texto surpreende, quer pela fraca qualidade do conteúdo quer pelos subscritores. A referência à rua árabe é, no mínimo, desajustada, mas esse é um assunto a que voltarei numa crónica futura. Admira-me, ainda assim, que tenha congregado Pedro Adão e Silva, um dos mais argumentativos defensores das políticas do anterior Governo que, recorde-se, assinou os termos da submissão à troika, e ainda Vasco Vieira de Almeida, que tem sido um dos advogados do regime, dos grandes bancos e dos grupos e interesses dominantes, o que diz bem do seu entendimento sobre a missão patriótica da esquerda.
Felizmente, e apesar de tudo, o país continua tranquilo...