<p>1.Quinta-feira da semana passada apanhei em Lisboa um curioso e paradoxal taxista. Na viagem entre o edifício do "Diário de Notícias" e o aeroporto, entabulámos uma conversa que começou com as queixas dele sobre a indiferença que, por estes dias, nota nos colegas e terminou com um apelo aos órgãos de comunicação social, em geral, e às emissoras de rádio, em particular: "Já chega de más notícias, pá. Ponham música!".</p>
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Dizia ele que andava irritado com os taxistas com quem partilha as praças. Porquê? Porque, apesar da crise em que vivemos, "só falam da Casa dos Segredos e de coisas dessas que não interessam nada a ninguém". Contrapus, com jeitinho: "Pode ser uma forma de esquecer os problemas". Aquiesceu: "Também é verdade. A gente vê a televisão e ouve a rádio e é só crise para cá e crise para lá. Ponham música, pá, para animar a gente".
Lembrei-me desta animada conversa quando, no sábado passado, li no "Expresso" uma entrevista da presidente do Banco Alimentar Contra a Fome. Isabel Jonet deve ser das pessoas que melhor conhece, hoje, as consequências da crise no tecido social. Por isso, os alertas que deixa devem ser levados a sério. "Neste momento existe o maior risco de implosão social em Portugal desde o 25 de Abril. Há uma tensão latente, muito perigosa. Se surgir uma força política a manipular os pobres vai correr mal".
Os dados de estudo feito pela Universidade Católica ontem conhecidos sustentam a preocupação de Isabel Jonet. Só para citar dois exemplos: metade das pessoas que recorrem a instituições de solidariedade social vive com menos de 250 euros por mês; e um quinto dos que são ajudados por essas mesmas instituições não tem o que comer pelo menos uma vez por semana.
O retrato é terrível. E, creio, tende a agravar-se com a muito provável subida do desemprego para a casa dos 11% no próximo ano.
Francamente, não sei se haverá, ou não, explosão ou revolta social. Mas sei, isso sim, que há um elevado e ancestral risco de indiferença e de apatia dos portugueses em relação ao seu futuro. Por isso, o melhor que podemos fazer é pedir que não nos dêem música...
2. Música para os ouvidos de meio mundo, ou talvez mesmo para o mundo inteiro, foram as decalarações do Papa: pela primeira vez, um chefe da Igreja Católica admitiu o uso do preservativo para minorar os efeitos do vírus da sida. Apostei singelo contra dobrado em como alguém viria, nos dias seguintes, amenizar o que, nas palavras do nosso bispo das Forças Armadas, tinha sido "um estrondo". Bastou um dia: anteontem, o porta-voz do Vaticano afirmou que não há nada de "revolucionário" no que o Papa disse. Ou seja: foi apenas música para os nossos ouvidos...