Com o mundo desenvolvido dilacerado pela crise e pelos protestos sobre as deficiências de funcionamento e as desigualdades geradas pelo capitalismo, este trabalho [livro] é um guia de esperança, com grandes efeitos potenciais
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"Poor economics". Pobre economia. Economia pobre, fraca. Ao contrário do que possa pensar, não se trata de nenhum cabeçalho para uma notícia sobre a reunião dos chefes de governo da União Europeia nem sequer dos G20. "Poor economics" é o título de um livro que acaba de ser distinguido pelo "Financial Times" como o "business book of the year", o livro de negócios do ano. Uma ironia e uma aparente contradição já que, na verdade, se trata de um livro sobre a pobreza: a economia dos pobres é um terceiro sentido da designação inglesa. Um jogo de palavras que, implicitamente, critica a forma como os economistas tratam as questões e, em especial, as políticas de combate à pobreza. Da autoria de dois professores do MIT (Abhijit Banerjee e Esther Duflo), o livro recorre a técnicas quantitativas mais ou menos sofisticadas para avaliar a eficácia de algumas das políticas de combate à pobreza extrema (a maioria dos casos passa-se em países com níveis de rendimento muito baixos), procurando identificar as razões por que falharam e as condições necessárias para que se tornem mais eficazes e eficientes.
A área em que se movimentam é polémica. Há os que consideram as políticas de apoio ao desenvolvimento e de combate à pobreza um desperdício de dinheiro e, em contraposição, os que defendem que o mercado, deixado por si só, produz, e reproduz, exclusão sendo, por isso, necessárias políticas para combater esses mecanismos e fomentar a inclusão. Com frequência, mesmo tratando-se de economistas, a ideologia sobrepõe-se à razão, conduzindo a debates que, não raramente, resvalam para longe da ciência, personalizando-se. Quando assim é, apenas um trabalho rigoroso, humilde, baseado em anos de experiência no terreno, pode justificar referências elogiosas tanto de quem se filia num como no outro campo.
Um exemplo do que deve ser feito, tanto mais importante quanto estamos a lidar com um problema que continua a afligir um número demasiado grande de pessoas nos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo que, mesmo nos países mais desenvolvidos, os recursos parecem escassear para combater as novas situações de pobreza associadas com a actual crise económica. Por uma e outra razão, o desenho de políticas apropriadas é, hoje, um imperativo com uma urgência que não parecia existir há apenas uns poucos anos. Recusando a existência de uma receita única e universal, os autores apontam, ainda assim, três erros muito comuns quando se trata de definir políticas de desenvolvimento e combate à pobreza: ideologia, ignorância e inércia. Decidir sem outro conhecimento da realidade que não sejam juízos de valor apriorísticos. Ser incapaz de romper com os padrões estabelecidos ou de inflectir o rumo das políticas. Tudo isto soa familiar, demasiadamente familiar, num país em que o combate à pobreza parece ter donos, e se apresenta contaminado por discursos feitos de ideologia e de generalizações abusivas, de sinal contrário, em que os pobres saem sempre a perder. Com o Mundo desenvolvido dilacerado pela crise e pelos protestos sobre as deficiências de funcionamento e as desigualdades geradas pelo capitalismo, este trabalho é um guia de esperança, com grandes efeitos potenciais. Que seja "business book of the year" mostra quão relevante é o problema.
P. S.: "Basta ir por esse país fora para ver o desperdício de recursos ocorrido em rotundas, pavilhões, etc". Raro é o debate sobre o défice e a dívida em que não se ouça uma tirada como esta. Sobretudo quando envolve pessoas que raramente saem da capital. Tal como no caso das políticas de combate à pobreza, impera a ideologia, a ignorância e a inércia. Mais um i: o interesse. A dívida acumulada pelas autarquias não excederá os 5% do total. O resto é da responsabilidade do Poder Central. E os casos de abuso autárquico, que os houve, são, as mais das vezes, resultado de uma ausência de vontade, ou incapacidade, de controlo por parte de uma administração demasiado centralizada. Não é preciso sair de Lisboa, nem lá ir, para o saber.