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A crise de representação democrática que se vive na Europa e um pouco por todo o Mundo manifesta-se de formas diversas e a várias dimensões: no perfil dos eleitos que mudou em conformidade com a mudança dos critérios de seleção. No vazio que reduziu o confronto político a considerações inócuas de moralidade. No desfasamento acelerado pela vertigem da globalização que faz crescer a desconfiança na relação entre governantes e governados.
Na primeira dimensão é reconhecível a profunda mudança dos critérios de seleção dos eleitos. A massificação das novas tecnologias de Comunicação Social logrou sobrepor-se às mediações políticas existentes e às regras de conduta convencionais, impondo uma simplificação brutal da mensagem e, por conseguinte, uma alteração substancial da imagem e do perfil dos eleitos. Ainda há poucos anos seria impensável admitir que personagens como Donald Trump, nos Estados Unidos da América, Beppe Grilo, em Itália, ou Rodrigo Duterte, nas Filipinas, pudessem alcançar responsabilidades de governo nos respetivos estados. Tão-pouco se imaginaria que Jair Bolsonaro pudesse emergir como um candidato verosímil à presidência do Brasil... já no próximo domingo.
Na segunda dimensão reflete-se a crescente banalização da conflitualidade política que diretamente resvalou para o domínio da sexualidade, da intriga doméstica e da hipocrisia moral, promovendo o esvaziamento de conteúdos políticos, a uniformização dos programas eleitorais, a extinção das expectativas de mudança da sociedade. Tal como anteriormente referi nesta coluna, o único motivo que se afigura capaz de travar o juiz escolhido por Donald Trump para o Supremo Tribunal não é a duvidosa competência e probidade do magistrado em questão nem a ambiguidade dos alinhamentos políticos mas apenas a sua tentativa de ocultar uma conduta violenta de assédio sexual e alcoolismo que, segundo várias testemunhas e alegadas vítimas, teria marcado a sua adolescência. É óbvia a gravidade das denúncias e muito útil a exposição dos preconceitos machistas que persistem na sociedade atual, mas não deixa de ser surpreendente que o controlo do poder judicial pela Direita ultraconservadora americana nas próximas décadas se discuta sobretudo nesse âmbito restrito.
A terceira dimensão decorre das anteriores e acha-se no cruzamento do cosmopolitismo das elites instruídas com as consequências da estratégia predatória do capital financeiro internacional. Uma combinação perversa que, em doses variáveis, domina os média e o discurso político oficial. É um sentimento de abandono que se transforma em marca identitária dos que se reconhecem em alguma categoria de excluídos, por quaisquer razões. Os operários das indústrias decadentes de Detroit que votaram Trump. Ou os suecos que votaram no partido anti-imigrantes nas últimas eleições, como bem explicam Bo Rothstein e Sven Steinmo em artigo publicado na quarta-feira pela Social Europe: "Us Too!" - The Rise Of Middle-Class Populism In Sweden And Beyond.
A ausência de verdadeiras alternativas políticas confunde os eleitores e lança-os nos braços do tão deplorado populismo. Contra a corrente, segundo uma sondagem europeia divulgada no princípio desta semana, Portugal é um dos raros países onde, ao cabo de três anos de governo das esquerdas, a percentagem da rejeição social dos imigrantes diminuiu significativamente. Numa entrevista concedida à TVI, segunda-feira, em resposta a uma pergunta sobre a probabilidade de uma coligação do PS com o PSD, António Costa retorquiu que é indispensável oferecer alternativas claras aos eleitores. De facto, é da exclusiva responsabilidade dos representantes assegurar que a substância das políticas seja o critério determinante das escolhas dos cidadãos.
DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL