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Apalavra "populismo" é muito plástica. Aplica-se aos mais variados casos e circunstâncias, ora como instrumento de análise crítica ora como mero insulto dirigido à Direita ou à Esquerda conforme as conveniências do acusador. Mas tem como denominador comum, nos tempos que correm, o vasto grupo social impropriamente designado como "classe política". Aquilo a que hoje se chama populismo é uma desconfiança generalizada e indefinida perante a complexidade das instituições modernas de representação democrática e a deceção perante os fracassos persistentes da economia globalizada. Os valores que suportavam a construção liberal do Estado de direito democrático, a expectativa de solidariedade e o impulso generoso que assegurou, após a Segunda Guerra Mundial, a universalização dos Direitos Humanos, experimentam uma crise profunda e demorada. Por isso, o populismo apela a soluções básicas para os problemas evidentes.
Os criminosos e indigentes são os outros?
- Prendam os estrangeiros (negros, muçulmanos, mexicanos ou ciganos) e tirem-lhes todas as prestações sociais!
O desemprego e os baixos salários são provocados pelos imigrantes?
- Há que correr com eles e fechar as fronteiras!
As empresas fecham?
- Acabe-se com as importações e a liberdade de circulação de mercadorias!
Os brevíssimos primeiros seis meses da presidência de Donald Trump nos Estados Unidos da América são a mais cabal demonstração da inconsequência das receitas populistas. Trump ganhou a chefia do Governo, tem a maioria dos deputados na Câmara dos Representantes e no Senado, mas não conseguiu até agora cumprir nenhuma das suas promessas: os mexicanos, naturalmente, recusaram pagar o muro que ele queria construir na fronteira, não há mais emprego, não melhoram os salários, não acabou com o serviço de cuidados de saúde criado por Barak Obama, nem a proibição de entrada de muçulmanos no país está a funcionar como ele tinha prometido. Entretanto, vende armas à Arábia Saudita, ameaça o Irão, bombardeia o Iémen e a Síria, e enreda-se numa intriga de cumplicidades com os piratas informáticos russos por supostas interferências que teriam favorecido a sua vitória sobre Hillary Clinton! Felizmente, na Europa, a extrema-direita populista não conseguiu os resultados eleitorais que esperava. Só conseguiu fazer aprovar a saída do Reino Unido da União Europeia e, no mínimo, só podemos concluir, até agora, que as coisas não estão a correr nada bem, nem para os britânicos nem para o Partido Conservador.
Em Portugal, o populismo contemporâneo é intrinsecamente reacionário. Nos últimos 200 anos, atingiu a sua expressão mais espetacular com a Revolta da Maria da Fonte, pouco depois do fim da guerra civil que inaugurou a era constitucional. A revolta explodiu com a proibição dos enterramentos no interior das igrejas e a criação do registo civil que obrigava ao registo das propriedades, o que ficou conhecido como as "papeletas da roubalheira" - porque temiam, não sem alguma razão, que lhes tirassem as terras e os direitos herdados dos seus avós. Descontada a queda do Governo dos Cabrais, a Maria da Fonte, jamais identificada, acabou sem produzir qualquer alteração política significativa.
O populismo exprime sentimentos de perda e de exclusão, a perceção da coesão do grupo como imperativo de sobrevivência, a busca de refúgio nos valores mais arcaicos. O racismo, o chauvinismo, a xenofobia são instrumentos de arregimentação e manipulação deliberada destes sentimentos, por assim dizer, espontâneos. Os canalhas que deliberadamente abusam desses sentimentos para obter notoriedade ou conquistar a adesão aos seus projetos de poder não merecem o menor respeito nem consideração. Estranho, por este motivo, a benevolência de comentadores oficiosos. Escandaliza-me "o silêncio de chumbo" sobre a esquadra da Cova da Moura. E rejeito, absolutamente, a cumplicidade promíscua da direção do partido que apoia o deplorável candidato à Câmara de Loures.
Deputado e professor de Direito Constitucional