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à Alexandra Malheiro
Como o leitor bem sabe não sou muito dado a fazer comparações, mas a verdade é que o bolso dos portugueses continua tão cheio como o túmulo de D. Sebastião, nos Jerónimos. O que torna o nosso futuro tão entusiasmante como música de elevador. Os políticos seguem porfiando o poder como na antiga Mesopotâmia se olhava uma tabuinha de argila: era só cunhas. Por onde Átila, o Huno, passava dizia-se que a relva deixava de crescer. Por onde este Governo passou não cresce relva, não cresce nada, simplesmente não há crescimento. O que torna a fúria neoliberal do executivo mais demolidora das estruturas básicas da sociedade do que a passagem dos bárbaros - algo que vai demorar décadas a reconstruir.
O primeiro-ministro tem dias. Tem dias em que parece Nero tocando lira na varanda do poder vendo Roma, ao longe, a arder - no caso, entoando uma ária enquanto escanhoa a barba ao espelho - tem outros em que vem em defesa dos seus - ministros, entenda-se - alguns dos quais politicamente responsáveis pelos maiores flops informáticos de que há memória na democracia recente, com prejuízos reais para o cidadão. Com o elogio (nada asséptico) que desferiu a Crato, afirmando que este nunca procurou "lavar as mãos" do assunto, Passos Coelho deu uma lição aos milhares de estudantes que porfiam por esse país fora - designadamente, a quantos estudam Informática - fazendo o elogio à mediocridade.
Aplataforma informática Citius faz-nos ter saudades do Código de Hamurabi, e a hercúlea tarefa de traduzir a colocação dos professores para uma linguagem que se entenda - um deles já vai em 95 colocações - torna-nos nostálgicos da Pedra da Roseta. Mais trabalho sobra para si, caro (e)leitor que os vai ter de despedir - com justa causa - nas próximas legislativas. Não tenho a certeza de que, o que por aí vem seja melhor mas por agora, é suficiente perceber que estes senhores é que não podem continuar lá mais: já estragaram muito em pouco tempo. Mas pense assim: não vai ser divertido, despedir Paula Teixeira da Cruz, de cruz?
Por mim, podiam já antecipar as legislativas. Mas, ao que li, o primeiro-ministro como no poema Musée des Beaux Arts, também preferiu afastar-se "ociosamente do desastre", apesar do "grito desamparado" dos cidadãos, porque tal como o "frágil e grandioso navio" do poema de Auden, "tinha um destino para ir e afastou-se calmamente" da antecipação da data. Já tinha coisas marcadas. No fundo, apenas adiou o momento em que voltará a estar sozinho, abandonado pelos seus, largado para ali numa enorme secretária da Administração de uma das empresas de Ângelo Correia, mais só do que Napoleão em Santa Helena.
Tudo na mesma, portanto, neste fim de ciclo que se aproxima. As crónicas que tenho escrito nos últimos 11 meses para o JN, tendem por isso a tornar-se politicamente repetitivas, e isso cansa-me. Já me ocorreu passar a assiná-las - qual pintura flamenga - como João, o Velho. O facto, porém, tem pelo menos uma vantagem: um dia que deixe de as escrever, num futuro próximo, e desista de usar o país como assunto, posso sempre dizer que, depois de utilizar, deixei ficar tudo na mesma como encontrei.
Não deixa de ser irónico que a Alemanha - onde pelos vistos se trabalham menos horas do que em Portugal, e que historicamente foi dos últimos países europeus a cunhar moeda, apesar de lhe agradar perpetuar delírios de Carlos Magno, seja pela guerra, seja pelo ágio - se tenha revelado o grande timoneiro luterano do nosso sofrimento cristão, exactamente porque exigiu a demolição em 4 anos de problemas que levamos 30 anos a construir. Pelos vistos, não foi só Ana Bolena e Maria Antonieta que perderam a cabeça: a de Ângela Merkel também anda perdida. O que já não se percebe tão bem - ou, se calhar, percebe-se bem demais - é por que a razão o Governo insistiu em ser tão bom aluno, limitando-se a receber ordens, sem fazer uso dessa prerrogativa básica da Economia: renegociar juros, alargar prazos, reescalonar a dívida.
Talvez esse servilismo seja indicativo da razão por que, a nível mundial, nunca iremos sair da posição 351.
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