Se a Esquerda, mais a mais dividida, não tem senão pernas para corridas oposicionistas e se o PS está sentado na poltrona do centro político, seria de esperar que a Direita ousasse disputar o ceptro nas legislativas do próximo ano. Mas não: parece que atirou a toalha ao chão, antes mesmo de entrar no ringue.
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Pelo andar da carruagem, com efeito, José Sócrates ainda ganha por falta de comparência. Instalada que está na opinião pública a convicção de que, na melhor das hipóteses, perde a maioria absoluta, só um agravamento do estado da economia pode contrariar a sensação de inevitabilidade de um segundo mandato como primeiro-ministro. É preocupante, do ponto de vista da vivência democrática, que tendências expressas em sondagens - algo como "o Governo é mau, mas outro seria pior" - roubem energia às alternativas políticas.
Depois do fogo fátuo do regresso do Bloco Central, que não convenceu ninguém, entrevistas como a que Pires de Lima concedeu ontem ao Diário Económico revelam bem estados de alma. Em momento algum o presidente do Conselho Nacional do CDS abre a porta a uma aliança pré-eleitoral, que nem o líder do seu partido deseja. Fala do "dia seguinte", quando fala em coligação governamental com o PSD. Não a preconiza na perspectiva oportunista do coelho que atravessa o rio às costas do elefante (até porque o PSD, a refazer-se da "bagunça" - a expressão é de Pires de Lima -, só tem hoje do elefante a mobilidade limitada), mas numa lógica de redução de expectativas.
Trata-se de mudar a posição da vela para enfrentar ventos contrários, não vá o barco despedaçar-se. De traçar, afinal, metas eleitorais mais razoáveis. Percebe-se o pressuposto: um cenário em que a soma de votos no PSD e no CDS fosse superior ao escore eleitoral do PS vencedor obrigaria Sócrates a ponderar parcerias à Esquerda ou a arriscar governar sem maioria. A primeira hipótese é improvável; a segunda representaria o regresso ao guterrismo. Valeria a pena pagar para ver como reagiria Sócrates, tão "determinado" a cavalo da maioria absoluta, se obrigado, em ambiente economicamente adverso e politicamente conturbado, a negociar cada medida.
É nesta fasquia mínima que a Direita aposta. Acontece que tal não dispensa a formulação de um programa político distinto do corporizado pelo PS. Não basta a "respeitabilidade" que, diz-se, a nova liderança devolveu ao PSD. É preciso que o partido explique, sem margem para dúvidas, o quê e como fará diferente se vier a ser poder, mesmo que não se sinta em condições de o alcançar. Tanto mais que, a todo o momento, o PS lembrará os tempos em que não havia vida para além do orçamento. Por "culpa" de Manuela Ferreira Leite.