<p>O pior que pode acontecer a um povo tradicionalmente desconfiado - do vizinho do lado, do "político" (entidade abstracta, pouco fiável até prova em contrário), do Governo, dos tribunais, de tudo o que mexe - é alguém com responsabilidades públicas vir dizer-lhe que sim, que tem razões para não acreditar nas instituições. Que quem era suposto assegurar que funcionassem na perfeição contribui para a balbúrdia total e não vem daí nenhum mal ao mundo.</p>
Corpo do artigo
Pois foi mais ou menos uma prenda dessas que o procurador-geral da República acabou de oferecer-nos. O mal-estar entre magistrados do Ministério Público e membros da Polícia Judiciária tem "dezenas de anos", sentenciou Pinto Monteiro. O mais iletrado dos ouvintes daquelas palavras seria levado a concluir que a atitude do PGR é totalmente demissionista: se sempre foi assim, não vale a pena fazer nada para mudar.
Errado! Pinto Monteiro, que em pequenino deve ter roubado a poção mágica a Panoramix, está disponível para, numa só reunião, acabar com tão malfadado clima. É de temer que tudo fique na mesma, expurgadas que sejam as previsíveis declarações sobre a paz de volta aos "quartéis", mal um jornalista lhe estenda o microfone.
Teme-se que tudo fique na mesma porque o que está em causa é, sobretudo, falta de tento na língua. Vício que começa no próprio procurador-geral - lembra-se o leitor de quantas versões apresentou sobre as certidões do caso "Face Oculta"? -, prolonga-se pelos magistrados, cada um mais loquaz do que o outro, e acaba nos homens da Polícia Judiciária.
A pergunta é só uma: por que não se calam? E a resposta apenas um palpite: porque não percebem que, nas funções que desempenham, a respeitabilidade se conquista através da discrição e se pode perder em três tempos, deglutida pela ânsia de protagonismo.
O cidadão, esse, assiste perplexo à degradação da imagem de instituições tão indispensáveis à vida de uma sociedade que se apelida de democrática. E, compreensivelmente, cede à suspeita de que peças importantes para o exercício da Justiça andam, afinal, minadas por guerras intestinas.
Daí a concluir pela existência de interesses ocultos, que secretamente as comandam, vai um passo. Perigoso, mas que ninguém parece verdadeiramente recear. Muito menos o procurador-geral da República, sempre pronto a pôr água na fervura. Sem perceber que não é só ele que se queima, somos todos nós.