Por que razão ressonar habitualmente numa criança não é normal?
O sono é importante em todas as fases da vida, porém, na infância, torna-se imprescindível, pois é nesta fase que ocorre o desenvolvimento do sistema nervoso central e das funções cognitivas. Como tal, o desempenho diurno da criança está diretamente relacionado à qualidade do seu sono, uma vez que o crescimento cerebral nos primeiros anos de vida depende muito do tempo e da qualidade do sono.
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Sabe-se, contudo, que os transtornos do sono são frequentes na população infantil.
De acordo com dados da Associação Portuguesa de Sono, entre 10% a 15% das crianças portuguesas ressonam, sendo o ressonar, o ruído produzido pela vibração das vias aéreas superiores (tecidos moles da orofaringe) durante o sono. Destacámos, porém, que ressonar, habitualmente não é normal. Se observar e ouvir uma criança a ressonar mais de 50% do tempo do seu sono e/ou mais de 3 dias na semana, durante a noite ou as sestas que realize durante o dia (excetuando se estiver com congestão nasal ou qualquer condição alérgica), deve considerar este um sintoma de relevo.
As possíveis causas para que uma criança ressone poderão estar relacionadas com obesidade (em Portugal, cerca de 1/3 das crianças têm excesso de peso ou obesidade), hipertrofia (dimensão exacerbada) de adenoides e amígdalas, desvio do septo nasal, estrutura do palato (céu-da-boca), retrognatia (quando o queixo se encontra recuado) e micrognatia (quando o maxilar superior e/ou o inferior não se desenvolveram devidamente).
Estas alterações provocam uma diminuição do espaço intra-oral (dentro da boca) para as estruturas se alojarem, nomeadamente a língua, potenciando uma obstrução à respiração nasal e promovendo uma ventilação de predomínio oral (respiração realizada maioritariamente pela boca).
Uma vez que, contrariamente ao que acontece quando a respiração é nasal, em que o nariz aquece, humidifica e filtra o ar, barrando a entrada de corpos estranhos,
quando a respiração é de predomínio oral, as impurezas entram mais facilmente no organismo, possibilitando o desenvolvimento de infeções nas vias aéreas superiores (ouvidos, nariz e garganta) e favorecendo que o organismo desenvolva um conjunto de alterações associadas ao facto de respirar pela boca.
Neste padrão de respiração verifica-se uma menor oxigenação cerebral, induzindo alterações no ciclo de sono e impedindo que este seja profundo e contínuo, o que trará consequências a curto/médio e longo prazo. A criança não descansa o suficiente durante o sono, não conseguindo ter um sono reparador, levando a que possa ficar mais sonolenta, irritável ou agitada durante o dia. Esta condição pode interferir na sua capacidade de atenção/ concentração e, consequentemente, no seu desempenho escolar. O défice de sono pode até confundir-se com "síndrome da hiperatividade".
O ressonar nas crianças é, ainda, um dos sintomas principais da Apneia Obstrutiva do Sono (AOS). Esta é um distúrbio respiratório que ocorre enquanto a criança dorme, sendo caracterizado por uma obstrução total ou parcial à passagem do ar nas vias aéreas superiores pelo aumento da resistência nestas estruturas, levando a uma diminuição do oxigénio e ao aumento do dióxido de carbono no organismo.
De salientar que a Apneia Obstrutiva do Sono atinge 1 em cada 5 crianças que ressonam. Assim, ressonar deve ser ainda mais valorizado quando acompanhado de sintomas noturnos, como sono agitado, posturas estranhas na cama (pescoço em hiperextensão, cabeça pendurada fora da cama, posição de barriga para baixo, com as pernas dobradas sob a barriga), transpiração excessiva, pesadelos, insónias (sono fragmentado), enurese (urinar na cama), sonambulismo, bruxismo, esforço respiratório (com ou sem respiração ruidosa), pausas respiratórias (apneia obstrutiva do sono) e respiração oral, ou sintomas diurnos como respiração oral (ruidosa ou não), sonolência diurna, falta de apetite ao acordar, alterações de comportamento (irritabilidade, agressividade, hiperatividade, nervosismo), défice de atenção, dificuldades na aprendizagem , dores de cabeça ao acordar e fadiga. Destacam-se ainda como sintomas associados à hipertrofia amigdalar a respiração oral, boca seca/mau hálito, congestão nasal, infeções das vias respiratórias e alterações de fala.
Como consequências de um sono não reparador, pode observar-se: hipersonolência, hiperatividade, baixo rendimento escolar, alterações na regulação da hormona do crescimento, comportamentos agressivos, mau humor/irritabilidade, sensação de fadiga, défice de atenção, dificuldades de concentração, tempos de reação prolongados, memória para eventos recentes diminuída, cefaleias (dores de cabeça) matinais, infeção das vias aéreas e hipertensão arterial.
Garantir um sono suficiente e de qualidade é, desta forma, muito importante para a criança estar calma, bem-disposta, colaborante e atenta, sendo fundamental para a regulação de emoções, atenção, memória, aprendizagem e desenvolvimento em geral.
Sempre que uma criança ressonar e apresentar um ou mais dos sintomas mencionados anteriormente é importante que seja realizada uma abordagem multidisciplinar. O médico de família ou o pediatra poderão ser o elemento que fará a sinalização para outras especialidades que se considerem relevantes como o Otorrinolaringologista, o Médico Dentista, o Terapeuta da Fala, o Pneumologista, entre outros. A identificação e o tratamento precoce são fundamentais para o desenvolvimento da criança.
Artigo redigido por:
Joana Carvalho Silva - Terapeuta da Fala
Bruna Campos - Médica Dentista