No atual contexto de crise os portugueses necessitam de esperança e de "certezas".Aquilo que a crise dos últimos anos mais abalou foi a sua crença no Estado, cuja "generosidade" demagógica e irresponsável, porque administrada ao arrepio dos recursos efetivamente existentes, gerou uma enorme revolta face aos inesperados e radicais cortes em salários, pensões e prestações sociais.
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Quando assim acontece é também a autoestima individual que é tocada, o que mina os alicerces de qualquer sociedade.
Para inverter o atual estado e fazer com que cada um se corresponsabilize com o futuro de todos é necessário recuperar a confiança coletiva.
Para tal, um debate político elevado e verdadeiro, centrado no próximo ciclo eleitoral, é insubstituível.
Quando tanto se fala de acordos e pactos de regime, haja a coragem de os concretizar. Não através de aproximações que visem governos monocolores e distribuição equitativa de benesses e favores, mas sim à volta de princípios comuns de governação.
O primeiro consenso a obter, e que há décadas une a Esquerda e Direita democráticas europeias, deve ser o de dar a garantia de que a maioria quer continuar a lutar por uma matriz ideológica à volta da defesa de um Estado social.
Um Estado social realista e perdurável, mas indiscutível.
Para tal não pode voltar a haver equívocos sobre a defesa do Serviço Nacional de Saúde - criação primária da Direita britânica!, não pode voltar a suscitar-se interrogações sobre a dimensão e amplitude da escola pública e não pode voltar a ter-se dúvidas sobre a sustentabilidade de reformas e pensões, decorrentes de uma contratualização de cidadania com que os cidadãos sempre cumpriram.
Aliás, se ainda queremos acreditar no projeto europeu não podemos abdicar desse combate. A Europa de paz, pós 1945, edificou-se sob o casamento apaixonado entre democracia e equidade social.
Esta união cimentou o seu desenvolvimento, o seu bem-estar e a sua superioridade ética num mundo desigual.
Para tal terá que se questionar o atual modelo de economia globalizado fruto da gula do liberalismo radical e das multinacionais? Pois faça-se lóbi para que se atue em conformidade, sob pena de regredirmos até ao continente instável dos anos 20 a 40 do século passado.
Depois, com a mesma autenticidade, é imprescindível explicar ao país entre que referências esses direitos poderão evoluir numa perspetiva de duas a três gerações. Afirmando com clareza quais os condicionalismos que enquadrarão os cenários mais e menos otimistas.
E neste debate é interdita a demagogia parlapatona. Ninguém tem moral para atirar pedras.
Não o tem quem deixou Portugal à beira do caos só há três anos, não o tem quem, há menos de uma década, comprou submarinos às resmas, quem, como o atual partido maioritária, já deu origem a três primeiros ministros este século, ou ainda quem continua agarrada a práticas e ideias do século XX, que conduziram meio mundo à ruína.
Ahumildade de fazer este juízo autocrítico coletivo é essencial ao afastamento da desfaçatez que faça com que alguns desejem inquinar a discussão, sacudindo a água do capote sobre a paternidade do caminho percorrido por todos nas últimas décadas.
O segundo consenso, mais complexo, passa por coadunar a vontade com atos, no que diz respeito á formalização de uma agenda comum para a promoção do crescimento económico e do emprego.
Aqui, uma vez mais é preciso exorcizar a tentação de "vender" ilusões ao povo. Não existem fórmulas mágicas e muito menos é possível realizá-lo contra o mundo que nos rodeia e as suas regras e muito menos com chavões vazios de conteúdo.
Nesse mundo real não se produz por via direta crescimento e emprego, promovem-se antes as condições para que haja mais investimento, maior produtividade e mais competitividade global.
Para isso é forçoso estar entre os melhores na qualidade da Justiça, na ligeireza do funcionamento da Administração Pública, na imagem de marca da tranquilidade pública, nas finanças públicas saneadas.
Daí não ser aceitável ver que partidos que ambicionam esse desiderato não se conseguirem entender para colocar em funcionamento reformas funcionais mas comezinhas ou, por motivos óbvios, incontornáveis. Como o são a que formaliza um novo mapa judiciário, a que define o regime de trabalho dos funcionários públicos, a que reestrutura o sistema nacional de proteção civil, a que norteia o investimento público / obras públicas ou a que define a fatalidade que decorre do cumprimento das regras do novo Tratado Orçamental.
Ainda somaria em cima de tudo isto a aproximação para uma reforma do sistema político e de partidos que acelere uma recredibilização do regime. Diminuição do número de deputados, introdução de ciclos uninominais, redução do número de mandatos presidenciais com alargamento do seu consulado, presidencialização do sistema de governo autárquico com reforço dos poderes de fiscalização das assembleias municipais, avanço de um processo de descentralização / regionalização estão entre as mudanças a debater sem tabus.
Sem estes consensos só sobrará mais sofrimento e desesperança.
Com estes consensos ainda sobrará muito para divergência saudável, estratégica, programática e ideológica.
O atual partido maioritário terá nesse percurso responsabilidades a dobrar. Porque se teve que arcar com o desgaste da implementação de reformas que fizeram regredir drasticamente a qualidade de vida de muitos portugueses, mas também porque é herdeiro de um património genético que se responsabilizou pela maior ascensão em democracia dos estratos mais desfavorecidos da população.
O 13.° mês aos reformados, o programa de erradicação de barracas que deu uma casa digna a dezenas de milhar de cidadãos, a distribuição de terras a rendeiros pobres do Alentejo, os programas proativos de combate à pobreza no Vale do Ave e na Península de Setúbal foram obra da sua histórica sensibilidade social.
Manda o bom senso que não a aliene.
Com o arranque de um novo ciclo era importante coexistirmos com o simbolismo de medidas que, não colocando em causa os resultados obtidos com os sacrifícios dos últimos anos, realinhassem a política com um olhar para os mais carenciados.
O aumento do salário mínimo nacional, medida amplamente consensual entre os agentes económicos e sociais, era o sinal que uma "rentrée" bem conseguida agradeceria.
Haja a desejada sensatez!