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As leis eleitorais, no que à cobertura mediática diz respeito, são anacrónicas. Nada daquilo que está aí escrito se adapta ao novo ecossistema informativo. Os deputados vão adiando a reformulação deste quadro legal, provocando graves problemas no trabalho jornalístico e prejudicando a informação aos eleitores. Será que se consegue ter isto resolvido a tempo das próximas eleições legislativas?
Percorrendo a legislação eleitoral (dos órgãos das autarquias locais, da Assembleia da República, do presidente da República...), repete-se a mesma orientação para os órgãos de Comunicação Social como se o legislador tivesse vergado à tentação de copiar o que já havia feito anteriormente: "dar tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas". Há mesmo articulados que integram estas diretrizes num capítulo dedicado à "propaganda eleitoral", estranhando-se que tamanha confusão de campos não provoque uma indignação musculada da classe jornalística.
Perante esta formulação algo genérica, a Comissão Nacional de Eleições, nas vésperas de cada ato eleitoral, faz saber aos órgãos de Comunicação Social que tipo de trabalho devem fazer, atropelando de forma desajeitada a essência do trabalho jornalístico: a independência. Nas últimas eleições autárquicas, fixou-se que, quando se noticiasse um determinado concelho, dever-se-ia relatar a atividade de todas as candidaturas que aí se apresentavam a sufrágio. Ora, para além desta regra violar o valor-notícia da "relevância", colocava os jornalistas no papel de assessores políticos, provocando frequentemente aquilo que se designam como pseudoacontecimentos: acontecimentos fabricados para a cobertura mediática. Ora, dever-se-á tratar de igual modo o que é diferente? A resposta é um inequívoco "não" e seria aconselhável que a Assembleia da República impedisse rapidamente estas arbitrariedades.
Numa lógica reformista, dever-se-ia também terminar com o chamado "dia de reflexão" que proíbe os media de publicar notícias sobre a campanha. Para contornar uma lei sem sentido, o "Expresso", por exemplo, em véspera de eleições, sai para as bancas à sexta-feira. Os seus leitores leem-no ao sábado, mas os responsáveis do semanário poupam-se a aborrecimentos. Os jornais diários dividem-se entre aqueles que noticiam o fecho de campanha de sexta-feira (que corresponde sempre a um momento forte) e aqueles que respeitam algo que merece, no entanto, duras críticas. As rádios e televisões vão enchendo os alinhamentos de outras notícias, mesmo sabendo que quem os segue poderá estar em frente de um segundo ecrã sintonizado em redes sociais que fervilham com comentários políticos. Faz isto algum sentido? Não! Os cidadãos constituem-se como públicos ativos de conteúdos informativos e hoje o caudal de informação multiplica-se em sucessivos sítios, sendo impossível controlar o que se lê ou vê. Quem ignora isto desconhece completamente o modo de funcionamento do ecossistema informativo.
Não esqueçamos também os debates. Por norma, as diferentes candidaturas não abdicam do poder que lhes é dado para estabelecer regras. Ora, a este nível, seria adequado que os media se entendessem entre si e criassem eles próprios o seu modo de funcionamento sem interferência do poder político. Nas últimas eleições presidenciais do Brasil chegou-se a este absurdo: as candidaturas impuseram aos moderadores apenas o controlo do tempo, ficando os candidatos com o poder de fazer perguntas uns aos outros. No meio de um cenário construído para um debate que se pretendia esclarecedor, o jornalista prescindia da essência da sua profissão: fazer perguntas. Por mais tentador que seja o controlo da agenda mediática, a classe política tem de respeitar a independência das redações. Os órgãos de Comunicação Social que promovem um debate devem criar o formato, fixar regras de desenvolvimento e escolher os assuntos em discussão. É isso que se espera de um espaço deste género.
Estarão os diretórios partidários e os deputados preparados para fazer esta reforma? Seria certamente um excelente sinal para acreditarmos num poder político que defende a liberdade de expressão e a autonomia dos media.