Por uma outra mediatização dos incêndios
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Um incêndio de grandes proporções é sempre notícia. O país que subitamente começa a arder determina uma prioridade irrefutável nos alinhamentos noticiosos. Não estando em causa a noticiabilidade deste tipo de acontecimentos, já se impõe uma reflexão profunda sobre o modo como a cobertura jornalística se constrói.
Ainda que a mediatização dos incêndios possa não estar em causa, nesse processo de produção noticiosa precisamos de ponderar muita coisa. Por exemplo, as fontes de informação selecionadas e as imagens difundidas, sobretudo nos média audiovisuais.
Determinando muitas vezes o ângulo daquilo que se noticia, as fontes têm sido alvo de algum cuidado. Veja-se a forma profissional como a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil vem organizando a informação em conferências de imprensa regulares, subtraindo a tentação dos jornalistas em interpelarem os bombeiros que estão nas frentes de combate. Desta vez, não os ouvimos tanto e isso é positivo, porque esses profissionais devem estar concentrados no combate aos fogos e não nos diretos televisivos. Falta, todavia, mais cuidado com os populares, vítimas dos incêndios. Alguém em forte desespero ou em visível pânico não é uma fonte capaz de transmitir informação ponderada e, mais relevante, capaz de controlar a sua vulnerabilidade.
Nestes casos, compete ao jornalista proteger essa pessoa, não a confrontando nunca com um microfone.
As imagens constituem um dos maiores problemas quando falamos de incêndios. Porque o jornalista precisa de dar a ver o que acontece. No entanto, aquilo que é uma necessidade depressa passa a um atropelo legal, ético ou deontológico. Frequentemente vemos imagens nas televisões ou em sites de notícias de incêndios dominados, mas que foram captadas num momento de colossal intensidade. Nos canais de cabo, inaugurou-se agora um modo de colocar no ar os debates: arrumam-se os convidados em pequenas janelas no lado esquerdo do ecrã, preenchendo o espaço restante (que é substancial) com imagens de fogos descontrolados. É, pois, essa linguagem fática que serve de atração de audiências que devemos extinguir.
Há 20 anos, por iniciativa da RTP, os diretores dos diferentes canais de televisão promoveram um acordo de autorregulação para cobertura jornalística dos incêndios. Ninguém queria manipular nada. Apenas promover um noticiário equilibrado. Esse consenso desfez-se rapidamente. Esta semana, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social emitiu um conjunto de recomendações, pedindo às redações rigor e seriedade na cobertura dos fogos florestais. Porque as notícias também incendeiam. E muito.