Sem surpresa, somos outra vez confrontados com uma ameaça de greve da transportadora aérea nacional para o sensível período do Natal. Nada de novo. Nem na essência, nem nos métodos. Importa reter as duas dimensões desta crise. A primeira é naturalmente o recurso à greve nesta altura do ano. A outra é a questão central, a oportunidade da privatização.
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Começando pela greve, confirma-se a minha suspeita. Os trabalhadores da transportadora sabem que o cenário de uma paralisação entre o Natal e o Ano Novo tem tanto de condenável que o Governo tudo fará para o impedir. E aí está a proposta do ministro da Economia de constituir um grupo de trabalho para debater as reivindicações dos trabalhadores, desde que seja cancelada a greve. A resposta da plataforma de 12 sindicatos que imperam na TAP deverá ser conhecida amanhã, embora seja de antecipar que sim, que vão conversar, ou não estivessem criadas as condições para sacar mais uns quantos benefícios.
O problema é que o simples anúncio da greve causa logo prejuízos, psicológicos e financeiros. Os primeiros porque os portugueses que vivem hoje no estrangeiro, muitos dos quais afastados do seu país devido à crise em que mergulhou o país nos últimos anos, reservam para o Natal uns dias de descanso e de reencontro com a família, vendo-se agora perante o susto de não terem o seu voo garantido. Para alguns é coisa menor porque, dizem, as greves têm de causar dano para serem eficazes. Discordo! Há limites morais para o exercício dos nossos direitos. O Natal tem, goste-se ou não, um simbolismo que vai para além da mera contabilização de passageiros retidos num aeroporto.
Os prejuízos financeiros existem também pela simples razão de que os potenciais passageiros se afastam da TAP e, no caso dos estrangeiros, de Portugal, pois não querem estar sujeitos a esta incerteza. Foi bem evidente o pânico das associações ligadas ao turismo e às agências de viagens quando tomaram conhecimento da possibilidade da paralisação. Imagine-se o caso da Madeira, onde o imenso setor hoteleiro vive de clientes que chegam lá sobretudo por via aérea.
Estamos então chegados à questão da privatização. O Governo invoca, como argumento central, a necessidade de capitalizar a empresa para fazer face às necessidades de investimento, ao que acrescenta a impossibilidade de o fazer diretamente devido às regras da União Europeia. Preocupa-me esta abordagem aparentemente pragmática, não só porque Bruxelas já veio dizer que não é bem assim, mas sobretudo porque não equaciona a questão no contexto do interesse e da estratégia nacional. A pergunta que não vi ainda ser colocada é a seguinte: é possível assumir o desígnio estratégico de fazer de Portugal uma potência global do turismo sem uma companhia aérea de bandeira?
A minha opinião é de que o "hub" existente em Lisboa (com extensão ao Porto), que funciona como placa giratória dos passageiros que se deslocam entre a Europa, a América Latina e África, é um ativo decisivo no futuro do país. Tanto no turismo como nos negócios, pelo que a quase certa deslocação deste hub para outra geografia, num cenário de privatização, subtrairia a Portugal uma substancial fatia da sua competitividade.
Não, a TAP não deve ser privatizada. Há outros caminhos. Para os mais distraídos, a TAP, S.A. é lucrativa há cinco anos. O problema está nas contas consolidadas da TAP SGPS, que integram, para além do negócio da aviação, a empresa de manutenção M&E adquirida no Brasil em 2005, num negócio que se provou ser ruinoso ao ponto de ser hoje responsável por metade do bilião de euros da dívida do grupo. É possível a reestruturação e, detetada a maçã podre, até já se sabe por onde começar. O certo é que, com greves a custar dezenas de milhões de euros à empresa, a que acresce a acelerada delapidação da imagem e da credibilidade, a privatização total ou parcial neste momento já só poderia ser um mau negócio.
Sublinhe-se ainda o ângulo político. Em mais de três anos de mandato, o Governo PSD/CDS não teve arte nem engenho para materializar a privatização da TAP. Tentou e fracassou. A nova cara do maior partido da Oposição, que lidera as sondagens das intenções de voto dos portugueses, é contra a privatização. É elementar, nesta matéria a janela de oportunidade para o Governo esgotou.
PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO MINHO