Há quatro anos, Bill Gates alertou que a maior ameaça à humanidade não era uma nova guerra mundial, mas sim um vírus pandémico. Quando a epidemia da Covid-19 apareceu na Ásia, no final do ano passado, Bill Gates disse que este poderia bem ser o vírus capaz de conduzir a essa pandemia catastrófica.
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Já o vírus tinha chegado à Europa e muitos continuavam a desvalorizar por cá o risco que comportava. E já a tragédia europeia era clara e os líderes do continente americano falavam como se não os fosse atingir. É hoje claro que poucos esperavam o que aconteceu e que, a poucos dias de o vírus se propagar na Europa, ainda pouco tinha sido feito para nos prepararmos. Não antecipámos como parar a propagação e as consequências que teria. Não antecipámos as necessidades de equipamento. Não antecipámos as necessidades de pessoal médico especializado. Também não antecipámos como organizar a sociedade e a economia para viver em quarentena. E se começamos a antecipar os efeitos da crise económica, ainda não antecipamos os efeitos que tudo isto pode vir a ter na organização do trabalho e dos hábitos de consumo no futuro. Reagimos (e preparamo-nos) de acordo com o que acontece e não de acordo com o que vai acontecer. Estamos, como noutras crises, a reparar o avião em pleno voo.
Isto confirma aquilo para que a ciência do comportamento tem alertado. Os políticos sofrem dos mesmos enviesamentos irracionais que as pessoas comuns, com consequências para as decisões públicas. Uma dessas falhas é o que se chama de enviesamento otimista e que nos leva a subestimar a probabilidade de um acontecimento negativo nos atingir. Um exemplo clássico é o facto de todos nós acharmos que é muito mais provável os outros terem um acidente de carro do que nós. Há vários fatores que explicam isso. Um é o facto de acharmos que conseguimos controlar determinantes desse risco melhor do que os outros (sermos melhores condutores, por ex.). Outra é a distância que temos face ao objeto através do qual estimamos esse risco (basta perceber como a nossa avaliação do risco do vírus foi mudando à medida que se aproximou da nossa comunidade). É claro que este enviesamento otimista conduziu a uma desvalorização do risco que este vírus comportava para a Europa e a investir noutras prioridades e preocupações. Era e é impossível prever com certeza todas as consequências do vírus, mas teria sido possível antecipar o risco e estarmos melhor preparados para ele. Quando ultrapassarmos esta crise, temos de discutir como preparar as nossas instituições para antecipar os riscos em vez de apenas gerir as tragédias que causam.
Professor universitário