Ainda que seja possível encontrar uma nova liderança e, consequentemente, um outro rosto para primeiro-ministro, o partido conservador britânico estará a adiar um problema. O Reino Unido apenas encontrará alguma estabilidade através de eleições gerais, mas, nesse caso, é o Partido Trabalhista que estará agora mais bem preparado para enfrentar as urnas.
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Nas bancas na manhã de ontem, "The Spectator" colocava em capa o título "A mulher que se esvai", acompanhado de um desenho que fazia desaparecer a primeira-ministra britânica. À hora do almoço, chegava a notícia da demissão de Liz Truss, que não durou mais do que 45 dias no número 10 de Downing Street. Os conservadores cedo perceberam as suas fragilidades, mas foi o mercado que a cilindrou, a propósito do anúncio de uma nova política económica para o país. No destaque dado ao assunto, a revista conservadora citava Jeremy Hunt, para dizer que "os governos não controlam os mercados". A publicação sugeria ainda que o mercado, ou o receio do modo como este poderia reagir, se tornou, por estes dias, a força motriz da política britânica. Mais à esquerda, "The New Statesman" acusava Truss de distanciamento da realidade, tendo tomado posse com "a agenda ideológica mais desavergonhada de sempre". O recuo das medidas que anunciou é lido como uma "humilhação abjeta". Adivinha-se que a escolha das palavras para qualificar a sua retirada seja ainda de uma censura mais carregada.
Poucos minutos depois desta demissão, a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, usava o Twitter para exigir eleições gerais. De forma expectável, o líder dos trabalhistas fez o mesmo. Nos próximos dias, haverá mais pressão para devolver aos cidadãos o poder de escolher quem governará o país. Neste cenário, os conservadores enfrentam um sério problema, sobretudo porque não têm ninguém para apresentar ao eleitorado que reúna um capital simbólico de inabalável confiança, de forte notoriedade e, ao mesmo tempo, de claro distanciamento de lideranças que fracassaram. A saber: Theresa May, Boris Johnson e Liz Truss. Por outro lado, os trabalhistas veem aqui uma oportunidade de conquistarem o poder antes daquilo que tinham previsto, embora a conjuntura não seja a mais propícia a políticas de desenvolvimento. A Europa está a braços com uma gravíssima crise energética e, consequentemente, mergulhada numa inflação galopante. Neste contexto, é difícil começar bem.
O Reino Unido, sendo uma das mais antigas democracias do Mundo, deixou-se enredar em práticas políticas pouco saudáveis, que deram origem a autênticos erros de "casting". Para parar a porta giratória que tomou conta do n.º 10 de Downing Street, só mesmo o regresso às urnas, independentemente de este ser um tempo menos favorável a isso.
*Prof. associada com agregação da UMinho