Os partidos políticos do arco da governação fizeram de conta perante o responso de há dez dias e o presidente da República, embora elogiando o simulacro, voltou ontem à casa de partida. Isto é: decidiu dar via verde à continuidade da governação da coligação PSD-CDS. Ontem reafirmado, o bem intencionado plano de compromisso proposto deu em nada e Cavaco Silva optou pela saída "menos má", após já ter explicado as razões pelas quais jamais dissolveria a Assembleia da República antes de junho do próximo ano.
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Sim, a teatralização dos últimos dez dias poderia ter sido evitada. É no entanto precipitado considerar ter tudo ficado na mesma.
Além de o presidente da República ter-se reposicionado no centro da vida nacional, o falhanço da solução de compromisso alargado aumentou a erosão da imagem de PSD, CDS e PS junto da opinião pública. Pode cada um dos dirigentes partidários agitar cortinas de fumo, mas a sociedade portuguesa ter-se-á tornado mais assustada e intolerante - especialmente a partir da altura em que a irresponsabilidade no seio da coligação fez agitar o espantalho dos mercados. Os portugueses hoje, de facto, têm mais medo do futuro.
Recentrado no poder, embora todos os indícios apontem para a não recuperação de uma mais do que desejada autoridade, o presidente da República foi coerente na sua convicção de recusar uma péssima alternativa (eleições no imediato), testou a melhor solução (o compromisso), sem conseguir tirar das barricadas do poder palaciano e da partidarite aguda as forças políticas confiáveis para o modelo europeu, e não tinha outra saída constitucional: manter uma coligação até agora errática.
A decisão do presidente da República coloca fim à instabilidade política e garante, mais remodelação, menos remodelação, um ambiente "aplainado" para Portugal conseguir atingir a meta de junho do próximo ano e com ela safar-se do jugo do programa de assistência financeira desenhado pela troika? Vai Portugal conseguir livrar-se do estatuto de protetorado?
O presidente da República alertou para os perigos e todas as dúvidas são, pois, legítimas - não obstante ter-se concluído da sua mensagem estar disposto a apertar a vigilância à ação do Executivo.
Após o susto apanhado pelo PSD e CDS na sequência da demissão taticista de Paulo Portas, as juras de nova confiabilidade associadas à teimosia de Pedro Passos Coelho não garantem bonança na coligação - e já no curtíssimo prazo. A menos que os credores internacionais aliviem as exigências de austeridade e deem alguma folga aos pressupostos plasmados para violentíssimos cortes de despesa a inscrever já no Orçamento do Estado para 2014, o plano de concórdia na coligação dificilmente deixará de voltar a ser instável. Só mesmo uma circunstância excecional levará à pacificação da aliança governamental: a capacidade de Paulo Portas, agora com mais galões, engolir não um elefante mas um jardim zoológico inteiro, tendo como único desígnio a sua sobrevivência política. Para a coligação poder resistir, Portas terá de deixar de armar-se ao pingarelho com célebres linhas vermelhas antes estabelecidas para os cortes exigidos à qualidade de vida da sociedade grisalha (aposentados), entre outras áreas definidas pela troika.
A oposição fica, naturalmente, à espera do falhanço de um exercício arriscadíssimo para a coesão do Governo. E o presidente da República terá sempre do seu lado aberto o campo para uma mensagem nele tradicional: "eu avisei...".