Nesta época, a falta de dimensão da equipa de futebol do F. C. Porto mais pareceu uma revisão constitucional aos princípios elementares do Estado de direito da nação portista. Agora que a época acaba (para mim, já tinha terminado na meia-final da Taça de Portugal...), mais jogo, menos jogo, pode dizer-se que esta equipa nunca saiu da garagem, nunca foi submetida a verdadeiros testes de pressão porque pura e simplesmente nunca soube existir. Nem deu voltas à pista para aquilatar dos tempos de saída. Partiu na "pole-position" com cinco pontos de avanço, olhou os fantasmas dos rivais com conforto, declarou-se inapta à primeira contrariedade e desistiu de si. Não foi a jogo. Hoje, escrevo como portista e só não falo do mérito dos outros porque são demasiado evidentes. Mas sobra-me o ar: parabéns. Soubessem alguns reconhecer o mérito quando ganhámos tantas vezes e tão indiscutivelmente, cá dentro e lá fora.
Corpo do artigo
A mística ou falta dela não se resume a uma equipa. A mística pertence ao clube. Essa mística ou esse "estado assombroso de ser" pode e deve ser transportada para dentro de campo nos grandes desafios. As equipas de futebol do F. C. Porto habituaram-nos a isso: espírito de vitória, honra, lealdade e solidariedade, confiança e respeito pelos nossos, motivação, luta e arrojo, alma e liberdade, vontade inquebrantável de felicidade, a pele no campo, o suor na pele, o campo todo. É esta convicção e ordem de valores que encontramos, tantas vezes, nas modalidades ditas amadoras do clube. Não é o falhanço de uma equipa de futebol numa época singular que subtrai a mística a um clube, até porque, se assim fosse, outros não tinham nem mística, nem clube há muitos anos... O projecto desta equipa de futebol que não logrou sair do anonimato, sem assinatura, burguesa e triste, não é um assassinato de carácter e muito menos o fim de um ciclo. Na realidade, não é o fim de ninguém, nem de nada. Mas deve ser a declaração de um estado de excepção onde todos (sem excepção), devem tocar a reunir pela reconstrução dos princípios constitucionais elementares do F. C. Porto. O nosso livro constitucional é o do pós-25 de Abril. É sobre os nossos direitos, liberdades e garantias que escrevo, sobre esta felicidade de sentir azul e branco. Mais do que nunca, todos não são de mais.
A democracia interna no F. C. Porto sempre conviveu com força musculada e capacidade de delegar funções em pessoas com competência. Nesse sentido, uma verdadeira meritocracia. A força libertadora do F. C. Porto no futebol português não acontece no pós-25 de Abril por acaso. Não está em causa o antigo regime ou o novo sistema. Se for necessária uma revolução, Pinto da Costa é o homem certo. Já a fez. Internamente, há décadas que a organização do clube transpira mais inteligência e competência do que os outros, mais conhecimento e mais trabalho. Pinto da Costa (ou Álvaro Pinto, o único dos seus vice-presidentes que o acompanha desde o primeiro dia no clube até aos dias de hoje) sabe bem o valor da união interna para a decisão final de um só homem que nunca foi um homem sozinho. Desde 17 de Abril de 1982 que o denominador comum é esse: coesão. Ninguém atravessa o complexo da ponte a sós durante anos a fio: fomos todos nós que nos atravessámos com e por ele. São essas pessoas que exigem respeito. E é esse mesmo respeito e confiança que Pinto da Costa, indiscutivelmente, merece.
Por que não escrevo sobre o jogador que saiu ou não foi contratado, sobre treinadores, sobre as teimosias ou insistências, sobre o futebol jogado que só apareceu aos soluços? Porque agora pouco interessa: os sinais, os avisos, os alertas estavam lá desde o início. Não convoco esquecimentos, mas também já não me convoquem para insistir. Há navios afundados que, bem lá do fundo de um mar de anos e anos de derrotas, apontam para o mergulhador com menos ar à superfície decretando o seu afogamento. Terão de esperar, se soubermos ser. Agora, presente do indicativo, o estado é colectivo. Agora é o momento em que se define se estamos perante um estado de emergência ou um estado de sítio, ambos constitucionais e, se possível, à mão não armada. Sendo certo que estamos perante um estado de excepção, é bom que saibamos que a excepção deste ano tem mesmo que confirmar a regra de sempre. Se assim for, os novos ciclos que outros tão prontamente pretendem inaugurar não passarão de novos ciclos de aprendizagem.