"Precisamos de parar de ver as nossas cidades como um problema e começar a vê-las como a solução. Cidades fortes são os blocos de construção de regiões fortes e regiões fortes são essenciais para uma América forte". Quem o disse foi Barack Obama, quando, em 2008 e ainda senador pelo Estado de Illinois, discursava perante a Conferência de Mayors dos EUA.
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Não posso estar mais de acordo, independentemente de falarmos da América, de Portugal ou de qualquer outro país. E é justamente para falar do papel crucial das cidades e dos seus líderes que reunirei na próxima sexta-feira, na Universidade do Minho, três dos mais emblemáticos "mayors" com que me cruzei: Rui Moreira, do Porto, António Costa, de Lisboa, e o ex--mayor de Austin, Will Wynn.
Quando se contrapõe a capacidade de intervenção de cidades e de países, rapidamente se constata que as primeiras articulam e colaboram entre si de forma mais efetiva e profícua do que os últimos, pela simples razão de que não estão limitadas pelos espartilhos das fronteiras formais e da soberania. Esta é uma tese bem refletida num excelente livro publicado no ano passado pela Yale University Press, da autoria do cientista político Benjamim Barber, que tem o sugestivo título "Se os mayors governassem o mundo. Nações disfuncionais, cidades em ascensão" (tradução minha). O autor fez uma recolha extensiva para concluir que, independentemente da dimensão da cidade e da afiliação política, os executivos locais exibem um estilo de governação pragmático e não-partidário que está ausente ao nível nacional.
A capacidade das cidades colaborarem numa base paritária, partilhando experiências e soluções para além das fronteiras nacionais, reforça a sua proposta de valor e credibiliza os seus líderes. Existe hoje uma constelação de redes internacionais de cidades criadas para endereçar temáticas e problemas transversais, como a descarbonização da economia, a mobilidade do talento, a inovação e empreendedorismo, entre tantas outras. Numa tentativa de dar consistência a este movimento, que tem tanto de virtuoso como de descoordenado, Benjamim Barber propõe mesmo um parlamento mundial de mayors, a constituir numa base voluntária. Utopia ou não, este seria certamente um veículo tributário de processos mais democráticos na definição das prioridades e das agendas globais, para além de uma plataforma de partilha de boas práticas na gestão dos espaços urbanos.
Mas é também na escala nacional que as cidades polarizam processos de boa governação e de criação de valor que não podem nem devem ser desconsiderados. O poder de mudança protagonizado por estas entidades, uma espécie de combinação entre administração e liderança em que representantes e representados vivem em proximidade máxima, justificaria a criação de um Ministério das Cidades. Num país que rejeitou em referendo a regionalização na sua versão clássica, mas que tem consciência dos desequilíbrios regionais que tolhem um desenvolvimento harmonioso do território, esta seria uma importante peça de um novo modelo para a reorganização da governação e da administração que tarda em acontecer.
Voltando ao encontro da Universidade do Minho, só me posso entusiasmar com a qualidade, mas sobretudo com aquilo que representam os oradores. Cada uma à sua maneira, Porto, Lisboa e Austin são três casos de vocação que merecem ser confrontados.
O Porto transpira personalidade. Aquela identidade muito própria sublimada no característico sotaque e na garra colocada nos desafios é quase peça única em Portugal. Nos últimos tempos, parece que o aeroporto foi multiplicado por dez, tal é a correria de turistas do lazer e dos negócios. Pode e deve polarizar toda uma região que tem o empreendedorismo no sangue.
Lisboa foi capital de império, o que lhe garante à partida o estatuto de cidade global. Conectada e cosmopolita, terá descoberto algum magnete de atração de navios, tal é número de cruzeiros que entram pelo estuário. Tem vindo a substituir a clássica assinatura de capital centralista por uma mais moderna marca startup, afirmando-se paulatinamente como hub de inovação.
De Austin diz-se que cada um dos seus habitantes tem uma empresa, uma banda ou as duas coisas. Exagero à parte, esta fama advém de uma cultura que combina a criação de valor com a tolerância. Um paradigma que fez Austin entrar no restrito clube das geografias americanas campeãs na atração de investimento e de talento, emparelhando com o mítico Silicon Valley e com a região de Boston.
Porto, Lisboa e Austin, um debate necessário.