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Ponto prévio: a Ponte D. Maria Pia foi construída entre 1886 e 1887 pela empresa Eiffel Constructions, desenhada pelo arquiteto Teophile Seyrig. Foi durante quase 100 anos a única ponte ferroviária entre o Norte e o Sul do país. "Morreu" ao ser substituída pela ponte ferroviária São João (do grande arquiteto Edgar Cardoso, que também fez a Ponte da Arrábida). Este texto é sobre uma potencial deslocação da ponte para outro local. O efeito visual desta decisão pode ser visto em http://www.pedrobandeira.info/Relocalizacao-da-Ponte-D-Maria-2013.
1. Faltam utopias que tornem o Mundo um pouco melhor. Talvez inúteis do ponto de vista prático, a um primeiro olhar, mas absolutamente fascinantes para que não percamos a capacidade de sonhar. Esta é uma delas. É genial. É na minha cidade, a cidade por onde também andou Eiffel, o tal que fez uma coisa absurda chamada Torre Eiffel para a Exposição Universal de Paris de 1889. Para que servia a Torre Eiffel? Para ser a mais alta do Mundo à época. Uma demonstração de vaidade tecnológica, só isso.
A verdade é que a Torre Eiffel, feita para ser desfeita logo a seguir, tomou conta da imagem de Paris e nunca de lá mais saiu. Tornou-se provavelmente no ícone arquitetónico mais conhecido do Mundo, o mais visitado monumento pago do Planeta (sete milhões de pessoas em 2011, mais de 250 milhões desde a sua construção) e uma fonte de receitas incrível para Paris.
E de repente isto tem tudo a ver connosco. O concurso de ideias para o extraordinariamente precioso quarteirão portuense da Companhia Aurifícia (da Rua dos Bragas à Rua Álvares Cabral) é uma oportunidade monumental para se criar uma nova centralidade, uma revolução que estenda a Baixa um pouco mais para cima e "contamine" Cedofeita, a Praça da República e Álvares Cabral. A Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitetos entregou o prémio a Humberto Silva, que projetou uma integração urbana para o espaço - entre espaços verdes e habitação de baixa densidade, a par de espaços lúdicos. É uma vitória obtida entre 34 propostas, vindas de 8 países . Mas é uma boa ideia dentro do clássico.
Ao contrário, o que é absolutamente radical (na proposta que perdeu, mas que continua a dar que falar) é esta alucinação arquitetónica, esta cidade que extrai Eiffel entre as margens do rio e o coloca no meio do seu corpo, como um colar de que se orgulha. Uma cidade com uma ponte metafórica entre duas margens (que só existem na nossa imaginação). Um símbolo do que é hoje o Mundo, do que é esta possibilidade/impossibilidade de se unir lados afastados. Uma ponte que perduraria como ideia maior da "Cidade Capital do Futuro" que o novo vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, prometeu para o Porto.
E depois, imagino o que seriam "charters" de turistas a aterrar no aeroporto para vir ver a imperdível cidade que, além de tudo o resto, tem uma Ponte Eiffel no meio do seu coração urbano, uma ponte para lugar nenhum. A Ponte D. Maria, que salvou a vida à minha geração porque nunca deixou cair nenhum comboio (apesar do temor de muita gente) e que, tal como as árvores, "morreu de pé" - como dizem os autores desta inacreditável ideia, Pedro Bandeira e Pedro Nuno Ramalho.
Dizem os dois arquitetos que este projeto custaria 20 milhões de euros - 10 milhões para se adquirir o terreno da Companhia Aurifícia e 10 milhões para desmontar a ponte e reconstruí-la, ali, magnífica e bela, no meio da minha cidade. Diria, de olhos fechados, que o investimento se pagaria rapidamente com o turismo. Que este projeto reforçaria um tema da campanha eleitoral - a do Porto como grande cidade da arquitetura. E que, tendo nós Eiffel - entre Nasoni, Siza Vieira, Souto de Moura, Rem Koolhaas (e muitos outros) - não devíamos deixar escapar entre os dedos do convencional um milagre da imaginação. Esta ideia é um milagre de uma nova geração.
2. Mais provas? O metro do Porto foi mais uma vez premiado, deste vez por Harvard, pela sua integração na paisagem urbana. Não há limites para a capacidade desta cidade/região brilhar. É só deixarem-na fazer.