Esta quarta-feira, o Governo entregou à Comissão Europeia a proposta para a utilização dos 21 mil milhões de fundos comunitários que o país terá à sua disposição nos próximos sete anos, programa que passará a designar-se por Portugal 2020. Vejo no documento virtudes, mas o que conheço das más práticas de gestão dos quadros de apoio não me deixa descansado.
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Primeiro, as virtudes. Desde logo, o valor global do pacote negociado. Quando se esperava uma redução acentuada no esforço de coesão europeia, o resultado acabou por ser interessante para Portugal. Se se fizer a média anual, falamos de 3 mil milhões, um pouco mais de 1,8% do PIB. Não sendo a salvação, não deixa de ser um excelente complemento a um investimento público quase desativado.
Também positiva parece ser a estrutura do programa. Em termos temáticos, aos atuais três programas operacionais - POPH, POFC, POVT -, será acrescentado um quarto dedicado ao emprego e à coesão social. Sinais dos tempos! A manutenção dos programas operacionais regionais, que a dada altura pareceu estar em risco, é algo tão normal que nem deveria ser notícia. O reforço do envelope financeiro regional de 30% para 40% do total de fundos, com a novidade de incluir uma componente FSE, para além dos habituais Feder e Fundo de Coesão, é também um avanço no sentido certo.
Nas opções do Portugal 2020, percebe-se ainda a intenção de reduzir substancialmente o investimento em infraestruturas e privilegiar a competitividade e o emprego.
Embora este quadro de intenções configure um programa aparentemente equilibrado, a observação e a experiência passada têm também demonstrado que as práticas de gestão e o nível de transparência são elementos chave para a boa e justa utilização dos fundos. Porque, como dizem os anglo-saxónicos, o diabo está nos detalhes, proponho-me levantar aqui três questões decisivas para o sucesso do Portugal 2020.
A primeira é a apropriação dos fundos das regiões de convergência por parte das regiões mais ricas. O Governo central desenvolveu dois esquemas para este efeito: a figura do spillover e a sediação virtual de estruturas centrais fora de Lisboa. No primeiro caso, o argumento é a vantagem que resulta para todo o país de investimentos na capital. Estou para ver se o disparatado e extemporâneo terminal de contentores da Trafaria será financiado nesta lógica. No segundo caso, organismos como AICEP, IAPMEI e AdI têm sede no Porto, mas tudo o que interessa acontece em Lisboa. Há outros casos, numa prática que não prima pela verdade, nem pela transparência.
A segunda questão é a dos desequilíbrios intrarregionais, isto é, a discriminação na distribuição dos fundos que se verifica dentro de cada região. Ao nível das câmaras municipais, tem vigorado a regra de "distribuir o mal pelas aldeias", numa prática que permite manter os autarcas calmos e relativamente satisfeitos. Não é, decerto, eficaz. Quanto ao resto, a realidade é ainda pior. Num apuramento que realizei em Março último relativamente à distribuição de fundos do ON2, constatei que a Universidade do Porto capturou 57 dos 71 Meuro atribuídos às universidades do Norte (80%), valor seis vezes superior aos 9 Meuro (13%) atribuídos à Universidade do Minho. E esclareça-se que tal não se deveu à ausência de projetos desta última. A liderança de uma região faz-se também pelo exemplo, e aí o Porto tem ainda muito caminho a fazer.
Por fim, a questão do financiamento da componente nacional. Vejo a paisagem muito cinzenta nesta matéria. O regresso aos mercados da dívida nos prazos previstos parece agora ser uma miragem. As taxas de juro da dívida pública estão no vermelho. O rating dos bancos nacionais entrou de novo em outlook negativo. Por muito que a narrativa oficial atribua as culpas ao Tribunal Constitucional, estão em causa uma estratégia económico-financeira completamente falhada e um clima de instabilidade política criado pelos atos irresponsáveis de Paulo Portas e companhia. O resultado é, para além de tudo o resto, uma ameaça real sobre a capacidade de utilizar os fundos dos próximos anos por incapacidade de garantir a componente nacional. Não estou descansado.