No final da reunião do G20, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, apelou aos governos europeus para aplicarem os seus planos de austeridade "rigorosa e convincentemente". Mas, de imediato, sublinhou que a sua mensagem era "muito forte para Portugal, assim como para os outros". Ficamos esclarecidos quanto à real identidade dos destinatários da advertência - tanto assim, que a defesa das cores lusas foi tomada a peito pela vice-presidente do Governo espanhol, Elena Salgado, que garantiu ao Mundo que Portugal aprovou medidas "muito austeras" para 2011, o que deveria ser suficiente para ressuscitar a confiança internacional. Embora, de passagem, a governante socialista "ibérica" tenha aproveitado para reafirmar que a Espanha foi "muito mais rápida" do que Portugal a definir e a aprovar um plano de reacção contra a crise - "seguramente" disse Salgado!
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Este pequeno episódio do fim-de-semana elucida bastante a triste realidade em que estamos: (i) Nos fóruns internacionais, quando se cuida da crise europeia, automaticamente pensa-se no problema chamado Portugal; (ii) Os governantes indígenas já nem sequer desfrutam de uma réstia de prestígio e de credibilidade que os habilite a fazerem a sua própria defesa - ao invés, são forçados a engendrar uma desconsolada prática concertada com os "nuestros hermanos"; (iii) Estes, como a história ensina, estarão sempre dispostos a amparar-nos quando tal se revelar propício aos seus próprios interesses (para já, Portugal é a primeira linha de defesa económica e financeira da Espanha), não se coibindo, contudo, de evidenciar uma insuportável preeminência que julgam naturalmente sua.
A conclusão é que ninguém acredita neste país e, sobretudo, em quem o (des)governa - nem mesmo quem nos aparenta defender. A falta de credibilidade das pessoas, das empresas ou dos governos, não se calcula em medidas mais ou menos precipitadas. Não se constrói em planos burocrático-financeiros nem se fabrica através de "soundbites" ilusórios forjados pelo marketing político de trazer por casa.
O Governo português está prestes a colocar o país na circunstância de ser um quase Estado-pária à dimensão europeia porque cometeu erros injustificáveis e indesculpáveis, antes e depois de a crise internacional ter engrossado a outra, bem mais persistente, que já por cá andava. Porque desaproveitou uma maioria absoluta, entre 2005 e 2009, anunciando reformas que nunca levou até metade, sequer. Porque não teve coragem para modernizar o país para além dos incessantes e cansativos slogans. Porque, excluindo o Simplex, deixou os crónicos problemas da nossa Administração iguais ou piores do que a condição em que os encontrou. Porque preferiu sempre o conflito inconsequente ao consenso com resultados. Porque gastou o que não tinha, esbanjou recursos preciosos em promessas "eleiçoeiras" e politiqueiras e fez de tudo para esconder a verdade das contas e do resto. Porque, até às Legislativas de Setembro de 2009, negou reiteradamente a crise e a possibilidade de esta nos poder afectar seriamente, assegurando à multidão de distraídos que nele acreditaram, que "Portugal tem folga orçamental para a debelar". Porque iludiu as múltiplas previsões internacionais que já nos colocavam no lugar desgraçado em que agora restamos sem tomar as precauções indispensáveis. Porque o Governo português foi o último a acordar para a realidade, reagindo tarde e a más horas. Porque tomou medidas sem tempo nem critério nem esperança, castigando fiscalmente a classe média até níveis perigosamente próximos do intolerável e desprezando socialmente os mais desfavorecidos.
Os únicos que ainda fingem confiar num Governo assim, para além dos socialistas que ainda encaram a política como uma espécie de derby futebolístico permanente, são alguns manga-de-alpaca travestidos de homens de negócios que só sabem viver da míngua do subsídio público.
Quase todos os outros, cá dentro e lá fora, dizem em privado as verdades duras como punhos que o presidente da Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos, desferiu alto e bom acerca de este Governo e de quem o lidera. Mas nem isso pareceu animar este país anestesiado...