Portugal com o coração nas mãos: por que morremos (tanto) de doenças cardiovasculares?
Apesar dos progressos assinaláveis nas últimas décadas que têm permitido um aumento significativo da esperança média de vida e uma diminuição da mortalidade por doenças cardiovasculares, estas continuam a ser a principal causa de morte no nosso país. Mais de 30% de todos os óbitos são atribuídos a estas patologias, um número que, embora esteja em linha com a tendência europeia, nos deve fazer refletir sobre o nosso estilo de vida e as nossas escolhas. Por que será que, mesmo com acesso a medicina de ponta, o nosso coração continua a estar "nas mãos" de um inimigo tão prevalente?
A resposta não é simples, mas passa inevitavelmente por uma combinação de fatores genéticos, ambientais e, sobretudo, comportamentais. O nosso coração, uma máquina complexa e resiliente, é posto à prova diariamente por hábitos que se enraizaram na nossa cultura e na nossa rotina.
Em primeiro lugar, a dieta. A tradicional Dieta Mediterrânica, que é um dos nossos maiores patrimónios culturais e um modelo de saúde em todo o mundo, tem vindo a ser substituída por uma alimentação cada vez mais rica em sal, açúcares, gorduras saturadas e alimentos processados. O resultado é um aumento das taxas de obesidade, hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e colesterol elevado. Estes são, sem dúvida, os principais inimigos do nosso sistema cardiovascular.
Em segundo lugar, o sedentarismo. A vida moderna, com o seu ritmo acelerado e os empregos que nos prendem a uma secretária, leva-nos a ser menos ativos. A falta de exercício físico regular contribui diretamente para o aumento de peso, a deterioração da condição física e o desequilíbrio metabólico. A inatividade é um fator de risco tão grave quanto o tabagismo, mas muitas vezes é subestimada.
Por falar em tabagismo, este continua a ser um dos mais potentes agressores do nosso sistema cardiovascular. Apesar das campanhas de sensibilização e do aumento dos preços, o número de fumadores em Portugal continua a ser alarmante, especialmente entre os mais jovens. Fumar é uma escolha que aumenta exponencialmente o risco de enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral e outras complicações.
Finalmente, não podemos ignorar a gestão do stress. O stress crónico, uma realidade crescente de muitos portugueses, pode levar ao aumento da pressão arterial e a uma resposta inflamatória generalizada do nosso organismo, que promove a aterosclerose e consequente endurecimento das artérias. Aprender a gerir o stress é fundamental para a saúde do nosso coração.
Para mudar este cenário, é necessária uma abordagem multifacetada. Em primeiro lugar, é crucial reforçar a educação para a saúde desde cedo. Nas escolas e em casa, devemos promover a importância da alimentação saudável e da atividade física. É preciso desmistificar o exercício físico, tornando-o acessível e divertido.
Em segundo lugar, o sistema de saúde tem um papel vital. A deteção precoce dos fatores de risco, como a hipertensão arterial e o colesterol elevado, através de rastreios regulares, é
essencial. É preciso fortalecer os cuidados de saúde primários, que são a primeira linha de combate a estas doenças.
Por último, a investigação e a inovação são a chave para o futuro. Na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e em outras instituições, os investigadores estão fortemente empenhados e trabalham incansavelmente para compreender melhor as causas destas doenças e para encontrar novas formas de tratamento e prevenção.
Em conclusão, é tempo de Portugal deixar de ter o coração "nas mãos" do destino e tomar o controlo da sua saúde. As doenças cardiovasculares não são necessariamente uma fatalidade, mas sim o resultado de escolhas e circunstâncias que podemos e devemos mudar. A luta por um coração mais forte e saudável é uma responsabilidade de todos: dos cidadãos, dos profissionais de saúde, dos governantes e da sociedade em geral. No bicentenário da FMUP, os seus professores e investigadores aproveitam este momento histórico para renovar o seu compromisso na luta contra as doenças cardiovasculares.

