Os "estudos de opinião" sobre as preferências religiosas dos portugueses revelam, invariavelmente, uma percentagem esmagadora de católicos. Os evangélicos, por força das circunstâncias demográficas, sociais e, até, políticas vão crescendo. Mas, suspeito, seja por inércia, hábito ou por pura questão "cultural", o português médio, em geral baptizado, responde "sim".
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Isto é tanto mais curioso quando o Portugal contemporâneo evidencia sobretudo um forte anticlericalismo, especificamente contra a ICAR. Por Portugal contemporâneo, um título de Oliveira Martins, grande expoente intelectual desse anticlericalismo militante, entendo o país dos dois últimos séculos, e os vinte e dois anos e uns meses deste. A Inquisição só se extinguiu em 1821. E a "revolução liberal" nunca foi branda com a Igreja a quem, cedo, confiscou os bens. Os próprios reis constitucionais, até ao último - e apesar das origens, formações e educações dinásticas -, salvo D. Amélia de Orleães, torciam-se muito na matéria. Quando surgiu a ditadura do "5 de Outubro", o anticlericalismo já estava bem aboborado antes da "Lei da Separação", a "intangível". Miguel Bombarda, fundador de Rilhafoles e ateu, falecido em 1901, era adepto das teorias do criminalista Lombroso, ou seja, defendia ser possível aferir das tendências criminosas de um indivíduo pela dimensão craniana. O doutor Afonso Costa e os seus esbirros encarregaram-se, depois, de aprimorar a "ideia" aquando da perseguição "laica e republicana" à Igreja, como se pode ver em fotografias da época onde surpreendemos valorosos patriotas a "medir" a cabeça aos padres, a rapar-lhes o cabelo e a sová-los. Para o egrégio Guerra Junqueiro, que jaz no Panteão, o padre era consabidamente um "monstro", um "chimpanzé estúpido, bisonho, porco, preguiçoso, comilão, sensual e obsceno". Proibiram-se os feriados religiosos e o dia de Natal passou a chamar-se "Dia da Família". O Estado Novo pacificou este estado das coisas, com a Concordata de 1940, e, apesar da cumplicidade Salazar-Cerejeira, a separação entre o Estado e a Igreja foi levada rigorosamente a sério. E a Igreja floresceu em todos os sentidos - eclesial, secular e leigo. Este regime e o Vaticano celebraram cedo nova Concordata, sobretudo por causa dos costumes, e as recepções populares aos papas que nos visitaram entre 1982 e 2017 confirmaram as inclinações dos "estudos" a que aludi no início. Nem o jacobinismo latente ou efectivo das elites dos dois últimos séculos portugueses, nem um clericalismo "modista", pusilânime, oportunista e teologicamente incipiente, conseguiram, até hoje, pôr em causa a Igreja da fé. E não será um "relatório Strecht" que o irá fazer.
*Jurista
O autor escreve segundo a antiga ortografia