Na obra póstuma "O que é o cristianismo", a recolha de textos escritos enquanto Papa emérito, Bento XVI, num capítulo intitulado "temas de teologia moral", reflecte sobre "A Igreja e o escândalo dos abusos sexuais".
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A "tese" fundamental parece-me consistir em ter a chamada "teologia moral" abandonado, desde os anos 60, e através de uma deriva relativista, a devida interpretação do Concílio Vaticano II. Como se, de lá para cá, a fé deixasse de estar sob tutela jurídica da mesma maneira que estarão, por exemplo, os abusadores ordenados. É a tutela jurídica da fé que permitiu à Congregação para a Doutrina da Fé, desde o pontificado de São João Paulo II, a aplicação da "pena máxima" contra os "delitos maiores contra a fé", a devolução ao estado de laicidade. Isto é, o Direito, por si só, era, e é, insuficiente e muitas vezes deletério, canónico ou penal. Foi necessário à Santa Sé de Bento e Francisco "forçar" a mão clerical, "garantística" e paroquial, mal habituada a fazer o que quer desde a formação dos seminaristas, para "obrigar" à celeridade e à eficácia das comunicações dos abusos à Congregação, logo, à Santa Sé. Porquê? "Porque a acusação contra Deus concentra-se sobretudo em desacreditar a Sua Igreja como um todo e em afastar-se dela". Nós "não somos Igreja" no sentido em que não existe uma Igreja criada por nós - "é, na verdade, uma proposta do diabo para nos afastar do Deus vivo". "A Igreja não é só constituída por peixes maus e divisões: é o instrumento através do qual Deus salva". O pecado e o mal existem na Igreja. Mas a Igreja da fé, santa, "é indestrutível". Não sei se a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) leu este texto do Santo Padre emérito. Todavia, leu e falou sobre o "relatório Strecht", "indignando" e "desiludindo" sobretudo movimentos e "católicos" adeptos confessos do relativismo moral - que se encontra praticamente todo traduzido na opinião fútil que se publica - e da Igreja do culto político, "mundana". Não, a Igreja portuguesa não foi feliz na sua comunicação. "Medidas" como um memorial às vítimas a erguer em pleno local da Jornada Mundial de Agosto, para lá ficar, são patéticas. A CEP não tinha, evidentemente, de fazer do relatório um processo canónico ou civil, dadas as suas indeterminações e insuficiências. Mas devia ter deixado claro as suas (dela, CEP) indeterminações e insuficiências no tratamento dos abusos. É essa a lição de Bento XVI que procurei resumir. "Mesmo rodeados de lobos, sairemos vitoriosos enquanto ovelhas. Contudo, se nos tornarmos lobos, seremos derrotados porque seremos privados da ajuda do Pastor".
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