Há cerca de dois meses, a abstenção potencial era o dado marcante destas eleições. Todos os partidos pareciam iguais, insuficientes, incapazes de verdade. Irrealistas, demagogos, irresponsáveis. Pressentia-se, nas ruas, a indignação e o desânimo. Os tribunos populistas do costume chegavam a querer cavalgar essa compreensível revolta.
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Hoje parece tudo mais claro. Ninguém tem certezas sobre o carácter transitório, ou de legislatura, do próximo governo. Quem o ocupar fá-lo-á mais por serviço e sacrifício do que por prazer, dado que ninguém ganha louros prometendo muito suor, e algumas lágrimas. Mas por ser um governo de reparação de estragos e de sementeiras, tem de ter a bordo actores diferentes dos que precipitaram a crise.
E dos que juraram que estava tudo sob controlo, até não estar.
O Governo que agora sai, e que encarna um projecto começado há seis anos, teve alguns bons intérpretes de uma estratégia nacional, devidos à visão e coragem de um punhado, onde esteve sempre Luís Amado. Não é original louvá-lo, mas é de justiça fazê-lo.
No entanto, na maioria dos sectores e na maioria das políticas, falhou-se nos objectivos, claudicou-se nos bons princípios, agravaram-se as más práticas. Foi-se tímido ou lento, ou superficial, ou desviado, nas reformas urgentes. Continuaram-se e acentuaram-se patologias de compadrio e controlo. Não se refreou a irresponsabilidade endémica de certas áreas. Criaram-se conflitos e consensos artificiais ou inúteis. Pecou-se por falta de clareza e explicitação. Ou excesso de palavras.
Seis anos não são seis dias. Devia ter sido tempo (como muitos aconselharam) para sanear, na raiz, o orçamento e as finanças, para cortar a despesa inútil e melhorar a receita justa, e olhar o problema da dívida nacional como a grande batalha. O grande falhanço nesta área é denunciado pelos memorandos com a EU e o FMI, agora divulgados a conta-gotas. Aí se diz sempre que a grande fragilidade das contas nacionais foi "revelada" (ou seja, posta a nu) pela crise global.
Face a quem quer persistir no erro, e quem deseja só cruzar os braços, ou berrar sem solução, é agora tempo de mudar de vida, arrepiar caminho, e recuperar o bom senso. Com a ideia nacional, espera-se, a valer mais do que o espírito de partido.
Até nisso a futura coligação é adequada.