O mais recente fenómeno da política espanhola promete fazer abalar as fundações da corte de Madrid e serve como medidor eleitoral do que pode vir a ser uma mudança substantiva na forma de os cidadãos menos ouvidos se fazerem representar no Parlamento, tendo uma voz ativa na produção legislativa e na orientação estratégica do país.
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Chama-se España Vaciada (Espanha Esvaziada) e reúne 140 plataformas de anónimos que agregam os interesses de pelo menos 30 regiões. Este movimento, sucedâneo dos pioneiros "Soria YA" e "Teruel Existe", conseguiu mesmo eleger um deputado, em representação desta última organização, o qual viria a revelar-se decisivo para garantir a formação do Governo de Pedro Sánchez. O objetivo, agora, é transformarem esta torrente de vontades num partido global e influente nas próximas eleições. Reclamando poder onde tudo é decidido.
O que defendem, então, estes espanhóis rurais esquecidos? Nada de revolucionário: querem ser ouvidos, querem que a área do território que não inspira proclamações e programas eleitorais seja atendida. Exemplo: um em cada cinco moradores nesta Espanha despovoada não tem acesso à Internet. Não que não queira. Simplesmente porque não existe.
Peguemos neste exemplo e adaptêmo-lo a Portugal, onde o despovoamento do Interior atingiu um ponto de não retorno. Na realidade, em nada diferimos dos espanhóis. Também entre nós não há uma agenda para o território abandonado, para as suas gentes, para os seus problemas. A política é exercida por gente da cidade para a gente da cidade. A cada vez mais elevada concentração populacional no Litoral fez com que os problemas urbanos se transformassem nos problemas de todos. Por isso, e enquanto a regionalização continua a ser empurrada com a barriga, já não seria mau se, como em Espanha, pudéssemos ter quem falasse por aqueles que, não sendo cidadãos de segunda, estão irremediavelmente relegados para a gaveta da etnografia política.
*Diretor-adjunto