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O Governo não desiludiu. O seu primeiro mês e meio corresponde às melhores expectativas e confirma as maiores preocupações. De um lado, está o entusiasmo dos trabalhadores e dos partidos que o apoiam. Do outro, o crescimento instantâneo da despesa pública e ausência de um discurso para a economia real.
O que estava anunciado materializa-se a uma velocidade estonteante. Ao fim de 45 dias, a lista de benesses já é longa: devolução dos cortes salariais dos funcionários públicos, redução da sobretaxa do IRS e da contribuição extraordinária sobre as pensões, eliminação de algumas taxas moderadoras na saúde, reposição dos feriados que se encontravam suspensos, aumento do salário mínimo, abolição de exames no ensino obrigatório e das provas de avaliação dos professores, adoção por casais do mesmo sexo.
Temos, pois, que trabalhadores, pensionistas, alunos, professores, minorias, contribuintes e portugueses em geral beneficiam do proclamado "virar de página" socialista. São medidas eminentemente políticas. Dispensando o esforço de concertação social e a opinião das associações empresariais, ignorando estudos credíveis sobre os efeitos das decisões, desprezando o seu impacto no equilíbrio das contas públicas. O povo está contente. A almofada financeira herdada do anterior Governo está gasta. A popularidade de António Costa dispara em todas as sondagens.
No plano económico, destaca-se a reversão das concessões dos transportes públicos de Lisboa e Porto - algo que terá consequências dramáticas no investimento estrangeiro, pois corresponde a assumir que o Estado português não honra a sua palavra nem os contratos que assina (e estes, mesmo sem terem ainda o visto do Tribunal de Contas, estavam assinados) -, e a anulação, em curso, da privatização da TAP. No primeiro caso, reconheço à decisão o lado positivo de transferir a gestão dos transportes para os municípios. Quanto à TAP, parece-me que teremos apenas mais despesa pública e pior qualidade de serviço.
O PS prometeu e o Governo está a cumprir. Mesmo na sensível questão das 35 horas de trabalho, a ameaça de greve já brandida pela CGTP vai certamente acelerar o processo, mesmo que continue sem se perceber por que é que os funcionários públicos têm de trabalhar menos cinco horas por semana que os trabalhadores do privado. A verdade é que, muito ocupado com medidas populares, o Governo não teve ainda uma ação concreta ou uma palavra de estímulo para as empresas. A economia real parece não contar. São só 45 dias, é certo. Mas a fatura, neste caso como noutros, acabará por chegar.
Muito ocupado com medidas populares, o Governo não teve ainda uma ação concreta ou uma palavra de estímulo para as empresas. A economia real parece não contar. São só 45 dias, é certo. Mas a fatura, neste caso como noutros, acabará por chegar