Mohammed Taher Siyala, com o seu ar avuncular e aspecto afável, parecia mais um empresário reformado do que o emissário especial de Mussa Kussa, o braço-direito de Kadafi. Esperava nervosamente a célula de crise das Necessidades, tamborilando o sofá com os dedos, num hotel do centro de Lisboa. Não vinha anunciar a reconquista do país pela família blindada do "Irmão Líder", mas apenas expor o genuíno desespero de uma oligarquia ferida de morte.
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Primeiro ponto: Kadafi poderia exilar-se, mas nenhum país o receberá, sem primeiro saber o seu estatuto internacional. É um ex-chefe de Estado? Um refugiado político? Uma testemunha ou potencial réu, às ordens do procurador do Tribunal Penal Internacional?
Segunda observação: Siyla é suficientemente realista, tal como seu patrão imediato. Kussa foi durante muito tempo o homem forte das informações estratégicas líbias, e agora conduz o que resta da sua diplomacia. Os dois sabem que a clique entrincheirada em Sirta e Trípoli pode ainda causar (muitos) estragos, mas não tem futuro. Está sentada em cima de dezenas de paióis, de cinco bases aéreas, de 60 canibalizados aviões e helicópteros de ataque, mas estes não têm muitas vezes peças, manutenção, munições ou pilotos em número suficiente. E no terreno da infantaria, a brigada Khamis não pode fazer milagres. Guarda o chefe como força pretoriana, e tem de acorrer a todos os fogos. Tentar impedir o avanço de uma turba multa militarmente imberbe, mas genuinamente crente na justiça da sua causa.
Terceiro elemento: Trípoli foi solenemente prevenida, por Lisboa, de que esta é a última oportunidade. Se o regime acossado - e acusado - continuar a bombardear, "limitadamente" mas às cegas, não haverá solução. A ONU (sem protestos) terá de aprovar medidas de exclusão aérea e aeroterrestre. E uma série de outros procedimentos que não são complicados, face à degradação rápida do "exército oficial".
Luís Amado fez, neste campo, o que devia. Nem mais, nem menos. Recolheu informação que o regime não dá, nem a Imprensa, ou o SAS inglês, ou a DGSE francesa, no local, obtêm. Avisou alguém capaz de entender. Retirou a Trípoli desculpas e argumentos.
Falta agora à Europa, munida de todos os dados, consumar uma política comum. Que, claro, tem de ser algo mais do que uma manta de retalhos.