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Há um país que se ouve todos os dias: nas notícias, nas decisões que se tomam nos gabinetes, nas cidades onde a maioria vive, nos mapas que a economia global desenha. E há outro país feito de distâncias, ausência e esquecimento - onde o primeiro país chega sempre tarde, ou nem chega. Não se trata apenas de ausência de voz, mas de um processo profundo e persistente de silenciamento: territórios que contam menos, onde a representação pesa pouco, onde as infraestruturas, os serviços e as respostas chegam enfraquecidos. Importa falar sobre esse país que fica de fora, não tanto por distar em km, mas por não ser ouvido. Um Portugal que existe, mesmo quando ninguém pergunta como está, silenciado por uma arquitetura de invisibilidade. Este silêncio é consequência de decisões acumuladas, de prioridades políticas, de visões estratégicas que se concentraram no que se vê e se mede, deixando à margem vastas porções do país e da sua população. Nas últimas décadas, Portugal tem convivido com dois regimes territoriais de valor. Um, centrado nos espaços urbanos dinâmicos, onde se acumulam recursos, oportunidades e representação política. Outro, disperso e residual, mais extenso, composto por territórios onde o valor político, económico e simbólico é continuamente desvalorizado. Esta clivagem não é apenas geográfica; ela define quem conta, onde se decide e para quem se governa. Importa, por isso, fazer uma leitura crítica desta geografia do "desvalor", já que este silenciamento não é neutro e traduz-se em formas diferenciadas de acesso a serviços públicos, em variações marcadas de rendimento, de participação cívica, de representação institucional e de esperança no futuro. Ao privilegiar um tipo de território e, com ele, um tipo de cidadania e de visão de país, o modelo de desenvolvimento português tornou-se seletivo: há uma parte que conta e um resto que permanece à espera, um centro que decide e uma periferia que escuta, relegada à condição de espectador, de estatística de ocasião, de nota de rodapé ou palco de promessas sazonais. O silêncio político não é uma metáfora suave, já que na política o silêncio é raramente espontâneo. É resultado de arranjos institucionais, de centralismos surdos, e de práticas administrativas e de culturas de poder que reconhecem uns e ignoram outros. Um Estado democrático pressupõe que todas as vozes contam, que todas as regiões têm representação e que todas as formas de vida são reconhecidas como politicamente relevantes. Na realidade, porém, existem zonas de invisibilidade persistente. O que acontece a um país quando silencia uma parte de si mesmo? Gera desigualdades de oportunidades e de sustentabilidades. E torna-se esteio de populismos fáceis. Durante demasiado tempo, aceitámos as assimetrias territoriais como um fenómeno inevitável; mas o que apelidamos de abandono, desertificação, ou declínio raramente acontece por acaso. Décadas de decisões que concentraram recursos, serviços e oportunidades, deixaram uma parte significativa do país numa espécie de suspensão, olhada ora com nostalgia, ora com condescendência, mas raramente com a devida atenção política. Os territórios silenciados não precisam de ser salvos, mas de ser ouvidos; podem precisar de ser revitalizados de fora para dentro, mas precisam sobretudo de não ser desvitalizados de dentro para fora, em pessoas e em recursos naturais: precisam de poder decidir sobre si mesmos; não precisam de um centro que os reconheça, mas de se afirmarem por direito próprio. Talvez o dito Interior não seja um problema. Talvez seja, na verdade, portador de respostas de que um país inteiro necessita.

