Escrever sobre a família que morreu intoxicada em Sabrosa e sobre os mortos e desaparecidos na derrocada da estrada de Borba é olhar para a parte do país que vive em condições miseráveis, sem segurança nem dignidade.
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Um Portugal desconhecido, um país sem voz. Pelo que me toca, julgo ser um dever de cidadania prestar atenção e reabilitar o interior. Sob pena de definitivamente se abandonar as pessoas e o território. Esta, sim, é uma questão de civilização.
Sabrosa fica a 112 quilómetros do Porto. Não se pode dizer que seja um concelho muito interior. Sabrosa situa-se no coração do Douro, simultaneamente uma das mais belas e uma das mais pobres regiões da Europa. Foi lá que morreu uma família intoxicada com monóxido de carbono, num casebre sem eletricidade, que não havia dinheiro para pagar. Isto pouco mais de uma semana após o final da Web Summit, evento no qual o Estado português investe diretamente 110 milhões de euros. Isto, ainda, num momento em que o tema predileto de políticos e jornalistas é a taxa de IVA que deve aplicar-se às touradas.
Se o que sucedeu em Sabrosa denota privação extrema, o que aconteceu em Borba foi incúria em último grau. Deixar que a base de sustentação de uma estrada seja corroída pela escavação de pedreiras é elucidativo do nível de decadência das infraestruturas geridas pelo Estado. Tanto a nível central como a nível local a irresponsabilidade não conhece limites.
O divórcio entre o Portugal das casas sem eletricidade e o Portugal dos Tesla é gritante, chocante e revoltante. Há mais de 50 anos de distância entre o desenvolvimento de algumas zonas do país e o nível de vida da capital. Isso deveria bastar para que se tomassem medidas. Sucede que a classe política é absolutamente insensível ao fosso entre uns e outros portugueses. Diz-se que o interior elege poucos deputados, que não decide eleições. A arrogância do centralismo faz o resto. A questão é saber quantos Entre-os-Rios, Pedrógãos, Sabrosas e Borbas serão necessários para acabar com a vergonha. Por menos do que isto, os alemães pagam há perto de 20 anos um imposto de solidariedade para suportar a recuperação do atraso da antiga Alemanha de Leste.
O objetivo do Governo (e da União Europeia) é chegar a 2020 com 3 por cento do PIB destinado a Investigação e Desenvolvimento. Na Cultura, seria suposto terminarmos a legislatura com uma dotação equivalente a 1 por cento do orçamento. Parecem-me desígnios importantes. Mas de nada nos serve termos cultura, investigação e desenvolvimento enquanto tivermos um país que é ainda triste e miserável.
*EMPRESÁRIO E PRES. ASS. COMERCIAL DO PORTO