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Portugal tem um défice de notoriedade a nível externo. Percorrendo os média internacionais, o nosso país é poucas vezes notícia e, quando isso acontece, os ângulos são frequentemente desfavoráveis, acentuando elementos que fazem um retrato apenas de uma parte daquilo que somos.
“O reverso do milagre português”: o título, enquadrado numa fotografia onde se veem uma casa demolida e um homem derrotado no meio de destroços, abre uma reportagem de cinco páginas publicada ontem na revista francesa “Nouvel Obs”. No texto, reconhece-se que Portugal recuperou em poucos anos o grave défice nas finanças públicas, mas à custa daquilo que se considera ser “um pesado custo social”. Esse milagre económico desfaz-se logo nos primeiros parágrafos do texto, apontando sucessivas crises: na habitação, na saúde, na educação...
Encontrando no turismo um motor importante da economia e nos vistos gold o cartão de garantia para um mercado imobiliário que foi aumentando os preços de modo insustentável, os portugueses, segundo esta reportagem, sentem-se progressivamente nas margens, sobretudo de serviços públicos asfixiados na sua capacidade de resposta. Os jornalistas franceses enchem o texto de depoimentos de pessoas em crise: porque não conseguem uma casa digna para viver, porque não acedem aos tratamentos de saúde de que precisam ou porque os seus filhos permanecem dias a fio sem aulas... Nesta narrativa da desgraça, as fontes de informação ouvidas consubstanciam esta tese de um país à beira da catástrofe: a Federação Nacional do Médicos, a Federação Nacional da Educação, o movimento Habitação Hoje.
Em França, foi pedida uma leitura de tudo isto ao ministro responsável pelas contas públicas, Thomas Cazeneuve, que a fez assim: “Portugal é um exemplo a que atendemos, mas com ponderação, porque a sua retoma económica não foi branda em relação aos serviços públicos”. A crítica ao poder político não poderia ser mais contundente. E as consequências políticas dentro de portas também são fixadas pela revista francesa que vê nesta crise razões explicativas para aquilo que diz ser “a brutal subida da extrema-direita”.
Para além da imagem externa que este tipo de reportagem constrói, um texto assim cria perceções em eleitorado sensível, nomeadamente na numerosa comunidade de portugueses que vive em França. Portanto, não é apenas a realidade que ajuda a ler as tendências políticas, mas também as respetivas narrativas que construímos.