Estava eu para aqui a mordiscar uns víveres que me ofereceu uma doente de Trás-os-Montes - umas coisinhas boas que, no conjunto, terão um valor comercial de cerca de 59,99 euros - quando me ocorreu que, este ano, o inverno chegou mais cedo.
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O inverno, por definição, é aquela altura do ano em que as temperaturas médias começam a parecer-se perigosamente com uma medição das tensões arteriais: 13 de máxima e 7 de mínima. Ora, o inverno está a revelar-se uma estação da maior relevância para a futura exploração das Minas de Ferro de Torre de Moncorvo, uma vez que, segundo denunciou o presidente da Câmara daquela autarquia, um estudo de impacto ambiental nas ditas minas, levado a cabo pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, está a atrasar a concretização de um projecto de 600 milhões de euros, potencialmente gerador de 500 postos de trabalho.
"What"s in a name?", perguntava o bardo inglês em "Romeu e Julieta". Neste caso, aparentemente tudo. O referido estudo pretende apurar se os morcegos que habitam as minas "hibernam" ou "invernam", isto é, toda uma diferença entre permanecerem no local ou deslocarem-se igualmente para outras paragens. A criação de 500 postos de trabalho está, por isso, suspensa por causa de um simples verbo. Que ninguém volte a duvidar do poder da palavra. Há tempos, um erro de tradução da palavra italiana "valutando" terá estado na origem de uma polémica entre o Vaticano e a comunidade homossexual católica, aparentemente porque "valutando" foi esperançosamente traduzido por "valorizando" (a dita orientação sexual) em vez de somente por um anódino "considerando". Ainda não foi desta que a Igreja evoluiu.
Na passada semana ficou igualmente a saber-se que, se é certo que o Português é a 5.ª língua mais usada pelos cibernautas de todo o Mundo, já os descendentes dos emigrantes portugueses no Luxemburgo estão a ter dificuldade em utilizá-la diariamente, entre si. Por um lado, quase 122 milhões de cibernautas utilizam o Português, estando a maior fatia desses 4,3% de utilizadores globais sediada no Brasil onde o Português parece ser, entre outras coisas, um trunfo eleitoral - Jardel, o conhecido goleador, concorreu às eleições brasileiras pelo Partido Social Democrático no estado do Rio Grande do Sul, socorrendo-se do desarmante slogan "Jardel: Lê e escreve".
Por outro, no Luxemburgo, alguém com responsabilidades superiores determinou que os descendentes dos emigrantes portugueses não podem utilizar a língua portuguesa para comunicar entre si nas creches, jardins-de-infância, ateliês de tempos livres e escolas primárias, seja durante as aulas (o que se compreende) seja no recreio (o que já não se compreende de todo), estando inclusive a ser punidos diariamente por a utilizarem. Nada contra o uso do Alemão, do Francês ou do Luxemburguês mas nem pensar em falar Português. Os castigos incluem, por exemplo, a separação e o completo isolamento das crianças que falem a nossa língua ou mesmo uma imobilização forçada, em que a criança é obrigada a ficar sentada durante cinco longos minutos sem se mover. Lembro-me de também ter visto, na sede do KGB em Vilnius, na Lituânia, um banquinho do género onde o detido era obrigado a sentar-se num cubiculozinho sem se mexer, apenas porque andava a pensar em coisas em que Prometeu, revolucionariamente, não pensar. Este gostinho da Europa Central e de Leste pelo totalitarismo não se despega, pois não?
Ora, na idade em a língua dos pais mais se inscreve nos bons hábitos de um filho - e precisando a nossa língua de continuar a afirmar-se pelo Mundo - aplicar aos filhos e aos netos dos emigrantes uma proibição deste género parece-me algo que requer uma intervenção rápida e assertiva do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Porque, lá que os jovens pensem que um haiku - essa forma breve da poesia japonesa de 17 mora (unidades de som que determinam o peso silábico) - é uma aplicação para iphone, não é de todo desejável mas ainda-estou-como-o-outro. Agora, que sejam proibidos de dialogar sobre a nossa cultura na língua de Camões, e um dia venham a dizer que só porque "Os Lusíadas" é um livro rectangular tem apenas 4 cantos, isso já me parece inadmissível.