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De cada vez que recebo uma chamada da minha operadora de telecomunicações, fico deprimido: afinal, há todo um novo mundo de ofertas que eu estava negligentemente a desperdiçar desde a última vez que me ligaram a propor todo um novo mundo de ofertas. Ter um telefone fixo que não usamos, um pack de televisão com dezenas e dezenas de canais que não vemos e um serviço de Internet com uma velocidade estonteante de que não precisamos é uma redundância a que já nem prestamos atenção. Porque somos consumidores insaciáveis que só sossegam ante a possibilidade de juntar a isso dois ou três cartões de telemóvel para a família, igual número de smartphones XL pagos às pinguinhas e Internet móvel que nos mantém conectados com o progresso na mais improvável das latitudes. E tudo isto a um preço ainda mais apetecível do que aquele que pagávamos.
Solicitar, por isso, apenas um serviço, para além de não ser uma opção bem acolhida pelas operadoras, transformou-se quase numa ousadia ou numa excentricidade. Num contexto em que a oferta pública de televisão, via TDT, é ridícula, para não lhe chamar outra coisa, a sacralização do conceito comercial do "pacote" tornou-se ainda mais castradora, sobretudo se atendermos a que 75% das famílias têm produtos integrados. Quanto mais melhor, dizem as operadoras. E o consumidor quer sempre mais, desde que lhe façam um descontinho jeitoso.
Mas depois olhamos para os números e percebemos o verdadeiro alcance desta chuva torrencial de soluções cruzadas: de acordo com a Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom), Portugal foi o país da União Europeia (UE) onde o aumento médio anual de preços das telecomunicações teve maior expressão. Desde março de 2011 que a fatura cresce mais entre nós do que nos restantes países da UE (Irlanda, Reino Unido, Suécia e Dinamarca não estão integrados, por ausência de dados). E este é o ponto: sob a capa de uma oferta inesgotável, as operadoras conseguiram nivelar o mercado por cima, fazendo depender a lógica dos preços de uma estratégia intoxicante que nos faz sentir sempre beneficiados. E que deixa muito pouco espaço para as ofertas de baixo custo. E que é, por isso, muito pouco democrática.
Eu sei que o mercado é livre, embora regulado. Que a missão das empresas é angariar clientes e obter lucros. Que ninguém celebra um contrato com um revólver apontado às têmperas. Mas já começo a ficar cansado de levar sova atrás de sova. Seja na fidelização dos vínculos contratuais, seja na política de tarifários, seja, ainda, na forma vergonhosa como as operadoras estão a preparar-se para continuar a cobrar-nos o roaming como antigamente (através de uma taxa de utilização responsável por elas definida). O Estado e os partidos não devem meter o bedelho em tudo, mas não podem continuar a assistir passivamente enquanto um setor determinante para a formação e informação do país trata os consumidores portugueses como se fossem cidadãos abrutalhados que ganham o salário médio dos luxemburgueses.
*EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO