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O que tem a eleição de Javier Milei como presidente da Argentina a ver com as legislativas portuguesas aprazadas para 10 de março do próximo ano? Aparentemente, nada. No entanto, usando a lente do radicalismo, os problemas não são assim tão diferentes. O populismo pode resumir-se a uma oposição entre o povo puro e a elite corrupta. Neste contexto, o político populista - assumido ou envergonhado - clama para si o papel de porta-voz da vontade do povo. Não deixa de ser paradoxal o facto de haver responsáveis partidários ou líderes de importantes instituições da República que atacam as elites como se não fizessem parte delas.
Não nos deixemos confundir pelos contextos distintos. Portugal é um país da União Europeia e da Zona Euro, apresenta excedentes orçamentais e tem uma inflação que não chegou aos dois dígitos nas duas últimas décadas. A taxa de risco de pobreza é de 20% e a taxa de juro direto do BCE situa-se nos 4,25%.
A Argentina, pelo contrário, vive uma profunda crise económica, com uma inflação de 140%. A taxa de risco de pobreza é duas vezes superior à portuguesa e o Banco Central da Argentina aumentou a taxa de juro para 133% em outubro.
Cingindo-nos ao plano político, estamos perante uma onda populista que tem crescido quer no continente americano (Trump e Bolsonaro foram bons exemplos) quer na Europa. Veja-se o caso dos Países Baixos, onde a extrema-direita parece bem lançada nas legislativas que se realizam hoje. E como classificaríamos os governos italiano, húngaro, polaco ou eslovaco? Segundo Matthijs Rooduijn, professor de Ciência Política na Universidade de Amesterdão, um em cada três europeus já vota em partidos populistas e antissistema. Tendo em conta os vários discursos concorrentes ao escrutínio a 10 de março, poderemos ter de escolher entre populistas assumidos e aqueles que foram apenas contagiados pelo discurso que coloca em oposição o povo puro e a elite corrupta.