Ainda não tive oportunidade de ler o estudo recentemente apresentado sobre as questões da natalidade e realizado sob coordenação do professor Joaquim Azevedo. Confesso, desde já, que a minha confiança na seriedade académica e na visão humanista do autor me fazem antecipar concordância significativa com as conclusões.
Corpo do artigo
Ainda não tive oportunidade de ler o estudo recentemente apresentado sobre as questões da natalidade e realizado sob coordenação do professor Joaquim Azevedo. Confesso, desde já, que a minha confiança na seriedade académica e na visão humanista do autor me fazem antecipar concordância significativa com as conclusões.
Andou bem o PSD ao mandar fazer tal estudo. Mais do que déficit e dívida excessiva ou competitividade deficitária, o que verdadeiramente ensombra o futuro de Portugal é a falta de portugueses ou, talvez melhor, a falta de quem cá viva e de quem cá nasça seja qual for a nacionalidade, credo ou cor.
E de quem cá viva por todo o lado. Ou seja, ainda mais inquietante do que uma demografia minguada, é a sua concentração numa faixa estreita condenando o povoamento equilibrado.
Talvez por isso valesse a pena refletir sobre o povoamento e não apenas sobre a demografia, sobre a captação de residentes e não apenas sobre o nascimento de mais portugueses, na fixação de pessoas e não na (discutível) eficácia da rede de equipamentos.
É extraordinário testemunhar (faço-o várias vezes no Norte do país) como a voracidade na otimização de serviços públicos e a miopia na concentração litorânea de oportunidades pode deixar grupos de centenas de pessoas, quase sempre idosas, quase sempre materialmente desprotegidas, sem um centro de saúde, um supermercado, um táxi ou uma escola. Como verdadeiros portugueses de segunda ou de terceira, a gente que mora em aldeias dos nossos concelhos mais interiores depende da ligação à sede de concelho ou a sedes de outros concelhos para suprir necessidades básicas ou mesmo só para ver gente. Não têm muitas vezes carro (os filhos estão longe), quase nunca táxis e nunca autocarros.
Aqui está, esta sim, uma verdadeira inconstitucionalidade com a qual convivemos pacificamente.
Para conter ou inverter este estado de coisas, não chega pôr casais a ter mais filhos. Não chega portanto baixar o IRS, garantir part-times ou impor a não discriminação no trabalho a mulheres em idade fértil. É preciso ter vontade política de povoar, de fazer da possibilidade de enraizamento do povo na sua terra uma realidade. A cada momento do tempo e não apenas na reforma.
Para isso, todos os instrumentos de que dispomos devem convergir:
1.Os autarcas não podem desenhar políticas de desenvolvimento assentes numa hierarquia que parte da sede do concelho;
2.O Governo não pode desenhar políticas de desenvolvimento assentes numa hierarquia que começa e acaba em Lisboa (designadamente no que toca a ativos de desenvolvimento económico, como sejam as plataformas logísticas ou os corredores ferroviários de alta prestação);
3.O Ministério da Educação não pode desenhar um parque escolar que, para além de fazer emigrar crianças, privilegia sempre a centralidade física dos concelhos; se ao menos escolhesse uma freguesia para instalar o novo Centro Escolar;
4.O Ministério da Saúde não pode calcular o custo por doente sem ter em conta o custo de deslocação do próprio ou o custo de ausência de tratamento atempado;
5.O Ministério do Ambiente não pode organizar o abastecimento de água ou o tratamento de águas residuais a régua e esquadro; ou seja, não deve insistir em macrossistemas multimunicipais investindo em dez estações elevatórias para abastecer em baixa um aglomerado de montanha com sessenta pessoas.
Ou seja, mais do que tornar mais barato o custo da natalidade, há que conseguir um equilíbrio entre a poupança que se conseguiria com maior racionalidade (a racionalidade é muito mais difícil do que o economicismo) nos investimentos públicos, e o investimento claro que deve ser feito para manter as pessoas nas suas terras ou instigar a deslocação de recursos para zonas já deprimidas.
Pague-se mais aos médicos ou aos professores que queiram ir para o interior, garanta-se habitação a preços competitivos, promova-se algum emprego público deslocalizado, consiga-se um protocolo com a EDP para energia a custo mais baixo, etc., etc...
O pacote tem de ser integrado, fiável e duradouro. Garanto que terá retorno em economia local, demografia e ambiente. E seria seguramente assumido por todos como uma luta pela sobrevivência cultural do país. Nem que nos doa. Sobretudo a nós, os que nos acotovelamos sobre o mar.