A minha opinião sobre a sublime imbecilidade da alegada "tradição académica" foi expressa através dos tomates e ovos podres com que eu e os meus colegas bombardeámos, a partir da esquina do Piolho, a primeira tentativa de fazer reviver no Porto o cortejo da Queima das Fitas. Era dirigente associativo de Letras e estava a acabar História, quando, no dobrar dos anos 70 para os 80, as juventudes do PSD e PP acharam que desenterrar as praxes, traje académico e Queima era uma boa ideia (foi) para aumentarem a implantação e influência nas universidades.
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Atirei tomates e ovos podres porque traje, praxes e Queima são práticas obsoletas que já não faziam sentido há um século. Por alguma razão foram abolidas pela I República.
A violência psicológica, física e sexual sobre caloiros são a marca de água das praxes e o caldo de cultura onde floresce o bullying. Não é de agora. Em 1903, Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão publicaram um manifesto contra as praxes, que sobreviveram até os estudantes de Coimbra acabarem com elas, na Crise Académica de 1969.
A "tradição académica" é uma manifestação do orgulho de ser universitário, que poderia fazer sentido antes do 25 de Abril, quando menos de 5% da população tinha acabado o liceu. Naqueles tempos, ser "doutor" era uma via verde que garantia um emprego para a vida, bem pago, de pouca canseira e muito mando. O mundo mudou. Hoje, há 380 mil universitários - e o objetivo é que, até 2020, 40% dos jovens com 30 a 34 anos tenham um curso superior.
Com 42% de desemprego jovem, um curso é apenas um ponto de partida para nos desembrulharmos na vida. É uma palhaçada exibirem-se como sendo de uma elite - o que há muito os universitários não são. Eu não teria orgulho em andar na Universidade que deu o curso a Relvas.
O grave é se a Universidade é a mãe do equívoco, pois muitos académicos ainda não perceberam que ela não pode mais continuar a ser um corpo estranho ao tecido social e que o erário público só pode continuar a sustentar legiões de investigadores se eles estiverem preocupados com a utilidade social dos resultados do seu trabalho.
As universidades só sobreviverão se se adaptarem a uma realidade nova, onde não há lugar para o vadio grotesco de praxes humilhantes que alimentam um absurdo e desajustado sentido de corpo de elite.
O aluno da Lusíada de Famalicão que morreu por ter levado uma pancada na cabeça quando fazia flexões; a estudante de Gestão do Politécnico de Beja que morreu na sequência de uma paragem cardiorrespiratória que sofreu quando estava a ser praxada; o aluno da Escola Superior Agrária de Coimbra que ficou paraplégico por ter sido lançado de cabeça para baixo num escorrega; para que estas e outras vítimas das praxes, como os seis do Meco, não sejam esquecidas, é preciso que políticos e autoridades académicas ponham um ponto final a este anacronismo estúpido.
E que PSD e PP metam a mão na consciência e se arrependam de terem chumbado, há dois anos, o projeto do Bloco de Esquerda de desencorajar as praxes e apelar a que as universidades não as legitimassem.