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Segundo um estudo de 2024, os portugueses comem menos fora de casa. Na altura, o estudo justificou com o crescente aumento do custo de vida mas eu tenho em mim que é muito porque, hoje em dia, muitos trocaram o ir ao restaurante pelo mandar vir um estafeta que, para ganhar dois euros, está há oito horas a pedalar colina acima, colina abaixo, debaixo de chuva, quer de água quer de insultos de taxistas, para entregar à porta do Jorge, que vive num 5.o andar sem elevador, uma carbonara fria. Eu percebo. Comer fora implica vestir, deslocar até ao local, tirar uma fotografia ao prato, ser um otário e dar 3,5 estrelas no Google porque "pode sempre ser melhor" e regressar a casa. Já a pior chatice que acontece com o "mandar vir" é decidir o que se vai pedir. Eu própria, cá em casa, já instaurei um método infalível: seleciono três opções, pergunto à outra pessoa qual é que prefere e mando vir o que realmente me apetece. Mais cómodo que isto é impossível e isso compensa, mesmo que se por acaso tivéssemos ido ao restaurante, o mesmo pedido teria ficado por metade do preço. Mas compensa. Estamos no sofá, de pijama, a mandar abaixo um combinado de 37 peças enquanto vemos o episódio de true crime que saiu esta semana.
Por acaso, eu cozinho bastante em casa, mas é porque tenho gosto e disponibilidade para fazer mão de vaca com grão para o jantar. Mas consigo ver, através dos meus amigos, que há uma real dependência de comida ao domicílio. De tal forma que, se por acaso, os entregadores fizessem greve, estas pessoas enlouqueceriam com a ideia de ter de descongelar qualquer coisa. Nem quero imaginar se a paragem calhasse ao fim de semana, naqueles dias especiais de ressaca que pedem comida gordurosa sem ter de mexer uma palha.
Mas a verdade é que olhando para as condições de trabalho dos estafetas, a greve seria mais do que legítima. Para além do valor por entrega ser sempre variável, não há qualquer proteção social como licença de parentalidade ou subsídio de doença. Para entrar neste mercado, os trabalhadores precisam de ter smartphone, veículo, seguro e ainda arranjar a sua própria mochila isotérmica, que é obrigatória. Descobri também que as próprias plataformas têm a sua loja onde os trabalhadores podem comprar-lhes o material, que relembro que é obrigatório, para trabalhar. (Se estiverem interessados, comprem na Glovo store porque estive atentamente a comparar preços de mochilas e ainda é uma diferença que equivale a 27 entregas, ou seja 4€, e ainda vem com capa da chuva. Já se precisarem de um capacete, na loja da Uber este artigo está em promoção por 5,98€).
Para atrair mão de obra, no site da Uber Eats lê-se "Aprecie a sua cidade. Entre as recolhas e entregas, aproveite para descobrir novos recantos da cidade" como quando ligam a reclamar da espera, é uma oportunidade para fazer amigos. Tenho algumas dúvidas que, entre ter de olhar continuamente para o ecrã do telemóvel para saber onde raio fica a Travessa de Amílcar dos Reis e tentar não ser abalroado por um camião TIR, se consiga fazer algum turismo. No ano passado, estava eu a celebrar o São João no Porto, numa daquelas ruas estreitas, enevoadas pelo fumo das febras a assar, com milhares de pessoas a dançar o "apitó comboio", quando se instala o caos porque alguém que achou que aquela seria a noite perfeita para mandar vir uma pizza de quatro queijos e está, de repente, um desgraçado a tentar furar a confusão para não ter uma crítica de duas estrelas. Posso dizer-vos que a bicicleta fez crowdsurfing naquela noite.

