A Europa já começou a mudar e não foi por mérito de François Hollande ou de Angela Merkel. Como sempre, a União Europeia só progride quando não tem alternativa à mudança e, na verdade, o risco de colapso da moeda única, embora há longo tempo anunciado, tornou-se agora iminente sob a ameaça de ingovernabilidade grega, o avanço imparável da recessão económica e o contínuo agravamento da "dívida" dos estados-membros, impulsionado pela "austeridade a todo o custo", imposta até agora pelo defunto diretório europeu de Merkel e Sarkozy. Compreende-se a teimosia do governo alemão. Os mesmos "mercados financeiros" que cobram juros usurários à Grécia desesperada, compram a dívida alemã sem cobrar juro. A mutualização da dívida no âmbito da união monetária não significa, portanto, qualquer vantagem imediata para a Alemanha. Compreende-se, apesar de tudo, a teimosia da Espanha que já paga juros desmesurados pela sua dívida galopante mas reserva para si o privilégio de cumprir as medidas de austeridade que recomenda aos outros, apenas nos prazos que lhe forem mais convenientes. Já não se entende, contudo, a mansa submissão do governo português ao cumprimento estrito dos termos de um "memorando" precariamente negociado pelo governo que o antecedeu e que ao fim de menos de um ano se demonstra insuficiente para travar o endividamento, continuando a destruir a nossa economia e a minar uma coesão social cada vez mais fragilizada pelo crescimento acelerado do desemprego, o aumento das desigualdades entre ricos e pobres e as assimetrias regionais de sempre.
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As "políticas de austeridade" que tão bem serviam o sucesso alemão transformando as desgraças das suas vítimas em oportuna pedagogia de doutrinas conservadoras e da exemplaridade da disciplina germânica, enfrentam, agora, desfalcadas pelas eleições francesas da habitual muleta, o desafio da precipitação de uma crise catastrófica, no limiar das eleições alemãs do próximo ano. A aceleração do processo de integração política europeia já não representa um dilema. Qualquer alternativa pressupõe o reforço da União. Se este "pacto orçamental" já não vem a tempo de suster a cavalgada para o abismo urge inventar, com pragmatismo, uma combinação audaciosa das reformas institucionais com incentivos ao desenvolvimento que reponha o valor da solidariedade entre os povos no lugar que historicamente lhe cabe no projeto europeu.
A aprovação pela Assembleia da República da proposta de resolução do Partido Socialista sobre uma adenda ao "Pacto Orçamental" para a inclusão de medidas de crescimento e emprego é um claro prenúncio destas mudanças. A cimeira informal que juntou esta semana à volta da mesa os dirigentes europeus, para além das conclusões anunciadas e do apoio reiterado à solidariedade com a Grécia, assinalou o início de um novo ciclo em que a par do saneamento financeiro, se inscrevem as preocupações de relançamento económico, em particular, nos países mais afetados pela crise. A abertura de um ciclo mais promissor talvez possa salvar a Europa da desagregação mas não significa, infelizmente, o fim das graves privações que nos atormentam. Temos o problema do défice acumulado e não há sinais da reforma urgente e audaciosa de que o país carece e que só a nós cumpre fazer. Mas não há solução para os nossos problemas fora do quadro da União Europeia e do contexto internacional.
Está em curso um fenómeno irreversível de ajustamento das economias mundiais e as disparidades entre as condições de vida dos povos não podem ser apreciadas apenas no confronto entre vizinhos porque as exigências de justiça e de equidade, inevitavelmente, passaram a ser formuladas à escala global e as relações de "vizinhança" já não são aferidas pela proximidade dos territórios. Deste ajustamento tem aproveitado uma especulação financeira desregrada que beneficiou da cumplicidade das democracias constitucionais. É altura de os povos do mundo reclamarem o que lhes pertence.