Preocupações com a ciência, no Dia da Criança
Hoje é Dia da Criança. Era sobre isso que devia escrever. Foi esse o pedido das minhas netas. Mas prefiro deixar-lhes de herança textos que as inspirem a pensar o país de forma crítica, livre, responsável e fundamentada. Prefiro deixar-lhes reflexões sobre problemas que também podem ter de vir a enfrentar. Neste caso, o problema é o futuro da carreira de investigação em Portugal.
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O Governo apresentou uma proposta para vincular mais de mil investigadores, pelas instituições onde têm desenvolvido as suas atividades. A criação de uma carreira de investigação é um problema antigo.
Com o Programa Ciência 2007, fez-se o primeiro esforço de transformação de bolsas em contratos de trabalho a prazo, a que se seguiram outros programas de emprego científico. Foi, progressivamente, introduzida a ideia de que, para garantir estabilidade e fixação da senioridade na investigação, era necessário evoluir para contratos por tempo indeterminado. É nesta trajetória que se insere o programa FCT-Tenure agora apresentado. Enuncio, a seguir, três interrogações a que esta proposta, na sua revisão, devia responder. Faço-o porque entendo ser esta a equipa do MCTES com melhores condições para inovar neste campo.
1. O sistema científico, no setor público, está em estagnação desde 2010. A despesa executada em I&D foi de 0,56% do PIB em 2021. Abaixo dos 0,58% em 2009 e longe do objetivo de 1% definido pelo Governo para 2030. Como pode o aumento do investimento em investigação compaginar-se com o financiamento, pela FCT, de contratos de docentes ou com a transferência de milhões de euros para universidades norte-americanas? Quando os recursos são escassos têm de ser feitas escolhas.
2. O sistema científico precisa de mais investigadores de carreira a tempo inteiro. Os docentes do Ensino Superior (em ETI) representam apenas 32% dos recursos humanos em investigação. O seu envolvimento é, em regra, a tempo parcial. Como vai sobreviver o sistema científico se continuarmos a não ter capacidade e instrumentos para atrair e fixar talento e se dispensarmos a senioridade e a experiência em liderança que parte dos atuais investigadores adquiriu?
3. Atualmente, o financiamento da contratação de investigadores de carreira é suportado pela FCT através de recursos do OE. As unidades de investigação e as universidades têm um papel insubstituível no desenvolvimento do sistema científico, mas não têm financiamento público para assumir responsabilidades na contratação de investigadores por tempo indeterminado. Qual é a razão para não se lhes atribuir, diretamente, recursos e responsabilidades para aquele efeito?
*Professora universitária