Jorge Brito Pereira conta que quando aceitou ser chairman da Zon/Optimus (atual NOS) andou três semanas a apagar entradas no seu Facebook. Apreciei a transparência desta revelação (apesar de ligeiramente contraditória com a prática de photoshop no passado), que me pôs a pensar se procederia a idêntica operação de higienização no caso improvável de ser escolhido para um cargo que implicasse rigoroso escrutínio da minha atividade nas redes sociais.
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A última foto que pus no Instagram foi uma "selfie" com uma máscara do Homem-Aranha, tirada na Fnac de Brugge. Idiota, mas pouco comprometedora. Num tweet recente, notei que a língua portuguesa é traiçoeira, pois o bj com que terminamos as SMS abrevia beijo, mas também blow job. De gosto duvidoso, mas tão-só brejeiro. E no Facebook, por preguiça e falta de tempo, limito-me a meter links para estas crónicas.
O pior ainda é a Lavandaria, o blogue que há três anos deitou âncora no JN, onde vou entremeando relatos anódinos de episódios de viagens com comentários a obras-primas da pintura renascentista italiana e delírios inspirados na rica caracterização que Francisco José Viegas fez do órgão sexual feminino a páginas 191 e 192 de "Um céu demasiado azul".
Pensei no assunto e conclui que não rasuraria uma única linha do que fiz, escrevi ou disse ao longo das minhas vidas real e virtual. Mas, assumir tudo não significa um menor apoio à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, que consagrou o "direito ao esquecimento" e obriga Facebook, Google & Cia. a retirarem da Internet os dados pessoais que um cidadão esteja arrependido de um dia ter partilhado.
Não foi ontem que percebi que a privacidade foi sacrificada no altar do acesso imediato e gratuito a um vasto leque de informações, via Google, e de estarmos sempre em contacto com o resto do Mundo através de um aparelho que faz chamadas, manda mensagens, recebe mails, tira fotos, dá música, substitui a agenda, etc., etc. - só lhe falta mesmo fritar batata...
Neste admirável mundo novo, trocamos a localização por um GPS de borla e pagamos com a nossa privacidade o gozo de partilhar o que fazemos e gostamos com as comunidades de "amigos" que vamos construindo nas redes sociais.
Pode nunca ter ouvido falar da americana Acxiom, mas o mais provável é que ela saiba quase tudo sobre si, porque tem armazenados, para venda, os dados de 500 milhões de pessoas, com 1500 itens sobre as preferências de cada uma delas.
Habitue-se a partir do princípio que tudo quanto diz, escreve e faz pode ser usado contra si. O pensamento é o único domínio onde a privacidade ainda resiste. Por isso, Bruxelas, além de lutar pelo nosso "direito ao esquecimento", devia ser pragmática e obrigar todas as empresas que vivem do comércio dos nossos dados pessoais a fazerem um aviso prévio à clientela, ao estilo da célebre Advertência de Miranda: tens direito a partilhar o que quiseres na conta do Facebook, mas olha que tudo quanto lá postares pode vir a ser usado contra ti. Ao fim e cabo, os maços de cigarros também alertam os consumidores para o facto do tabaco matar, não é?