Prescrever = receitar a descentralização
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Em 1998 votei contra a regionalização, não só porque não me considerava suficientemente bem informada, como não acreditava que os detentores de cargos políticos de então (autárquicos incluídos) estivessem preparados para o que se propunha no referendo: saber se se deveria implementar a regionalização em Portugal e, caso esta fosse aprovada pelos eleitores, se concordavam com a região em que votavam e que na proposta eram sete.
O referendo foi rejeitado por larga maioria dos votantes. Passados que estão 27 anos, integro convictamente, não apenas o grupo dos que defendem uma descentralização equilibrada, pensada e estudada no terreno, como fiquei entusiasmada com o resultado do estudo de opinião do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais, do ISCTE, de maio passado, que conclui que sete em cada dez cidadãos querem voltar a discutir a regionalização, e que de entre eles, quatro em cada cinco defendem um novo referendo sobre a criação de regiões.
Este estudo sobre "O que pensam os portugueses 2025 - descentralização e regionalização" é importante para se perceber como esta questão se mantém na agenda dos interesses dos cidadãos, de forma transversal ao território, sendo a Região Norte, e sem surpresas, a que se mantém à frente na vontade de se reabrir um sério debate. São várias, e de todos conhecidas as razões do crescente descontentamento com a centralização e burocratização da Administração Pública e sistema governativo, como também é do conhecimento geral a avaliação positiva que a maior parte dos portugueses faz do poder local, considerando mesmo, e regresso ao estudo do ISCTE, "que o seu município melhorou na última década, enquanto avaliam pior o desenvolvimento do país no mesmo período".
Quase 30 anos depois do referendo sobre a regionalização percebem-se os receios dos sucessivos governos em adiarem uma reforma que não é por acaso que está prevista na Constituição desde 1976.
Percebe-se e é muito desconfortável constatar que o medo de perder poder fala sempre mais alto nesta matéria, como noutras, aliás...!
Descentralizar é levar para a proximidade a possibilidade de resolver os problemas; é ter acesso a determinados bens culturais, é combater a desigualdade, é dar esperança aos mais novos e levantar do desespero os mais velhos que, sentados no tempo, aguardam pela vez de serem vistos, atendidos e ouvidos!
Descentralizar é um verbo transitivo, é, assim, de discurso direto... pelo que tem de começar a ser conjugado por todos os responsáveis no presente, para que haja futuro!
Descentralizar é um verbo com um povo lá dentro que conhece bem as limitações do poder autárquico, de que são exemplos preocupantes os meios aéreos para o combate aos incêndios e para o INEM.
Descentralizar, não para criar novos cargos nem novos "poderes" atribuídos aos arrivistas do costume, que se contorcem todos por uma "cadeira", mas para dar a qualidade de vida prometida nos discursos eleitorais a todos os portugueses, com a distribuição criteriosa, atenta e conhecedora das verbas nacionais e europeias.
A maior parte dos municípios e as áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa vão ensaiando, e com sucesso, a descentralização cultural.
Curiosamente, ou não, em dezembro de 2023, o Governo de então extinguiu as cinco direções regionais de Cultura no Continente, para as substituir por sete entidades. Duas são novas, com sede em Lisboa, Património Cultural IP e Museus e Monumentos de Portugal EPE - a isto chama-se contra desconcentrar a Cultura - e cinco são as existentes e desconcentradas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.
Não entendi! Mas é certamente porque só tive a oportunidade de trabalhar com a Direção Regional de Cultura do Norte durante 15 anos!