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1 - Cavaco Silva é o vencedor antecipado e comporta-se como tal. Os seus mais esforçados adeptos parecem encarar estas eleições como um simples passo formal para que o actual presidente possa ser ungido, sem grandes estorvos, daqui a pouco menos de um mês. E têm razões de peso para tanta confiança em virtude do espectáculo, quase degradante, que foi a notória falta de estratégia política do PS forçar esse partido a resvalar, contrafeito, no apoio aparente a um Manuel Alegre que representa o contrário do que a estirpe socrática dos militantes socialistas foram e são na política e na vida. Cavaco Silva afirma-se como um vencedor antecipado mais por falta de comparência do que pela (escassa) proficiência do seu primeiro mandato, já que os restantes candidatos não parecem ser capazes de lhe causar grande mossa.
O grande erro de Cavaco foi ter acedido a comparecer nos debates. Até agora, perdeu os dois em que participou. No primeiro, com Fernando Nobre, deixou-se enredar na estropiada visão política dos seus conselheiros, que o terão persuadido de que deveria apresentar o acordo para a aprovação do Orçamento (OE) como o facto político mais positivo da sua acção presidencial (dando uma alfinetada sobranceira a Passos Coelho) - Nobre aproveitou a brecha e brandiu contra o OE, constrangendo Cavaco a passar esse debate e o seguinte no esforço impossível de tentar explicar que é muito bom aprovar um OE que, no entanto, diz que é mau... No segundo debate, com Defensor de Moura, não se conseguiu resguardar das arremetidas encomendadas por quem só está na corrida para aplanar o caminho de outrem.
2 - A maior desilusão da pré-campanha é Manuel Alegre. Entalado entre o seu tradicional papel de funcionário subserviente do PS durante trinta anos e o casaco de rebeldia bloquista, que vestiu mais por conveniência do que por vocação, Alegre transformou-se num candidato mitigado e politicamente avelhentado, sem um discurso coerente e cada vez mais distanciado dos seus apoios declarados. A sua única esperança reside nalguma eventual escorregadela de Cavaco capaz de o alavancar a uma segunda volta, que sua falta de chama tem desmerecido.
3 - Fernando Nobre é a única novidade neste projectado bocejo de regime. Só ele inquieta e afronta o sistema político tal como ele é e está. Sem apoios visíveis (diz-se que os soaristas lhe retiraram as promessas de auxílio quando, atarantados, perceberam que Nobre tinha mais aptidão para roubar votos a Cavaco do que em enfraquecer Alegre), centrou o seu discurso na denúncia dos defeitos do situacionismo e na sua condição de paladino do cidadão anónimo. A azia que provoca aos instalados das várias Cortes do regime é sintomática. A sua candidatura poderá ser a semente para que, um dia, as pessoas possam votar de acordo com aquilo que se ouve em toda a parte sobre a política e os políticos.
4 - Relembrando 1986, Francisco Lopes é um Ângelo Veloso mais assertivo e funcionalizado. Executa ordens de forma competente mas sem um pingo de imaginação. Reduplica o discurso oficial do PCP, embora ensaie, sem grande sucesso, abraçar os bloquistas descontentes por descobrirem que Alegre, afinal, se tornou numa espécie de Chico Lopes do PS...
5 - Defensor de Moura interpreta a candidatura do frete socialista. Parecia que iria aglomerar os socialistas que antipatizavam com Alegre - cedo se viu que não seria assim. No debate com Alegre existiu um sincronismo conubial indisfarçável. Quando defrontou Cavaco Silva, Moura verbalizou tudo aquilo que Alegre nunca poderia dizer ao actual presidente: misturou acusações políticas e pessoais e mostrou-se o grande artífice da táctica de fazer à candidatura de Cavaco, graças ao escândalo da SLN/BPN, aquilo que foi consumado com Freitas do Amaral com o alvoroço do "Primeiro de Janeiro" (1986, outra vez). Como regionalista convicto que sou, só lamento que Moura aproveite a regionalização como arma de arremesso politiqueiro reduzindo-lhe a importância.
A pouco menos de um mês das presidenciais é seguro afirmar-se que Cavaco Silva tem, hoje, ainda mais possibilidades de as vencer do que aquelas que Freitas do Amaral possuía no início de 1986.
