<p>A notícia de que houve pressões sobre magistrados no caso Freeport é uma péssima notícia, é a prova mais evidente até hoje conseguida de que a Justiça funciona mal. E a Justiça funciona tão mal que, certamente, todos teríamos a ganhar se o relatório que chegou a esta conclusão pudesse ser revelado publicamente. Ficar-se-ia a saber como, com que intensidade, em nome de quê ou de quem foi feita a pressão, e os seus contornos. É certo que assim se exporia uma situação que não se percebe como foi deixada ao voyeurismo público. Mas já que não foi resguardada a denúncia de que havia magistrados que se sentiam pressionados, já agora que tudo se soubesse.</p>
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Devo confessar que lido mal com esta história das pressões. Nunca me aconteceu encontrar um médico que se queixasse de ter de viver vendo muito sangue e sofrimento. Ora um juiz lida naturalmente com pressões. Se as pressões são ilegítimas - e mesmo para isso um juiz tem de estar preparado -, o pressionado o que tem a fazer, num primeiro momento, é agir como se não estivesse a ser pressionado, ou seja, resistir; depois, se a pressão não cessar, deve pôr a hierarquia ao corrente. Ora, em democracia, vir a público que dois magistrados foram pressionados significa, antes de mais, uma de duas coisas: ou os magistrados desconfiaram da hierarquia que os deveria defender e passaram a informação para o exterior (sendo necessário saber a que pressão foram sujeitos e em que momento não resistiram mais); ou, por qualquer motivo, alguém fez essa divulgação por eles, sabendo ou não sabendo da justeza da queixa, mas sabendo seguramente dos efeitos que a sua divulgação teria. Qualquer destas duas razões é de extrema gravidade e qualquer delas suscita muita curiosidade sobre o inquérito que vai seguir-se. Mais: estando os magistrados constitucionalmente defendidos na sua independência e na sua carreira, que pressão, e feita por quem, os poderia condicionar?
Depois deste caso, há muita coisa para mudar na nossa Justiça. Já não estamos a falar da lentidão dos processos, de ter ou não ter dinheiro para aceder à Justiça. A partir do momento em que se lança a desconfiança de a Justiça estar a zelar pelos interesses dos poderosos, o edifício cai pela base. É certo, dir-se-à, que, desta vez, a Justiça parece estar a fazer o seu caminho e encontrará culpados. O facto é que ficou aberta a porta para se pensar quantas vezes mais terão juízes sido pressionados sem se saber quantos resistiram à pressão. A Justiça precisa de uma reforma. Que garanta a independência de quem julga e de quem investiga. E a sua transparência. E que garanta o contrário do que temos observado ultimamente: que não haja mecanismos que tornem o poder político prisioneiro do poder judicial. E a Justiça necessita ainda, além das reformas, de uma vassourada. A partir de agora, a partir do momento em que abriram a caixa de Pandora, umas e outra são inadiáveis.