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A conjugação de uma certa saturação que o tema saúde está a observar, em larga medida decorrente do manifesto excesso de protagonismo e de enviesamento noticioso, com o período que antecede as eleições autárquicas, quer na fase de campanha eleitoral, quer na fase de pré-campanha em que já estamos, pode ser uma boa oportunidade para mudar a direção de ambos os debates, orientando-os – como se tal fosse possível – para a promoção da saúde e a prevenção da doença.
Assim, em vez de insistirmos nesta vertigem coletiva – pouca sensata, em que a saúde se tornou o palco e o tema principal da disputa política – que nos está a levar à normalização do inaceitável com relegação para secundaríssimos lugares da análise das causas e, sobretudo, da construção de respostas, poderíamos orientar os candidatos à gestão das autarquias a discutirem e a proporem o que pretendem fazer no sentido de melhorar – de forma significativa, para não dizer mesmo radical – a cultura, as práticas e as infraestruturas associadas a uma visão da saúde que aposta na prevenção da doença.
Isto, porque a abordagem pelo lado da prevenção, finalmente, parece começar a ganhar a sua legítima e, deixem-me dizer, óbvia importância. Isto, porque poderia ser uma forma de interromper o ciclo vicioso a que nos levou o grupo – restrito, corporativo e inconsequente – que tem dirigido a saúde. Isto, ainda, porque poderia ser uma forma de orientar no melhor dos sentidos a energia, tantas vezes desperdiçada em objetivos fúteis, dos nossos autarcas e candidatos a autarcas.
A saúde é, provavelmente, a maior conquista da humanidade e, no contexto do nosso país, indiscutivelmente, o nosso melhor resultado coletivo dos tempos mais recentes, senão de sempre. No entanto, são de igual dimensão os desafios que estão pela frente, cuja superação – porventura ainda não o assumimos verdadeiramente – vai exigir respostas e mudanças radicais. Estas, além da revolução tecnológica, que já espreita e vai escalar exponencialmente, vão, sobretudo, implicar fortes mudanças de paradigmas e de comportamentos dando corpo a um desígnio que há muito foi expresso, mas que tarda a ser concretizado, e que passa por em vez de termos políticas de saúde passarmos a ter a saúde em todas as políticas.
O envolvimento, massivo e ativo, do poder local surge assim não só como natural, mas como desejável, desde logo e primordialmente, nas estruturantes áreas associadas à prevenção e aos (bons) estilos de vida, onde, em boa verdade, de forma crescente, têm vindo já a desenvolver relevante atividade ao longo dos últimos anos.
Mas mais, numa onda a varrer todo o território – e só mesmo com as autarquias lá conseguiremos chegar –, teremos de ir mais fundo, em abrangência e em credenciação da oferta, com uma solução universal e reconhecida pelas populações, necessariamente estruturada e alinhada com o serviço e o sistema nacional de saúde.
Nas próximas eleições autárquicas e no glossário dos responsáveis pelo poder local, gostaria muito de passar a ver as propostas e as ações nos domínios da prevenção da doença e, consequentemente, da promoção da saúde, como as suas novas rotundas, simbolizando estas uma caricatura, na maior parte das vezes de forma injusta, das suas prioridades no passado.