"(......) Não tenho hábitos nem sei como as coisas foram feitas anteriormente. (......) É uma questão de observar com inteligência os recursos que temos, talvez seja uma oportunidade para apresentar soluções. Certamente teremos de reduzir determinadas áreas, mas iremos activar a colecção". Quem assim fala é Suzanne Cotter, a nova directora do Museu de Serralves quando confrontada com o corte de 30% na dotação do Estado.
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Prosseguindo uma política que tem feito a diferença, a Fundação de Serralves voltou a recorrer ao mercado internacional para preencher a vaga de João Fernandes, entretanto migrado para o Reina Sofia. Essa postura, uma lição para muitas das nossas empresas com pretensões a terem uma presença internacional, incutiu uma lógica cosmopolita na instituição, rompendo com o paroquialismo que, também (especialmente?) na área cultural, campeia entre nós. O escolhido não precisa de ser estrangeiro (essa seria uma outra forma de ser parolo!) - o excelente consulado de João Fernandes prova-o à saciedade. Comungar da visão e ambição internacional da Fundação, isso sim, parece ser o factor decisivo.
Não era, contudo, para falar de Serralves que fui buscar aquela citação, retirada de uma entrevista ao "Expresso". O que está em causa é a atitude. Em vez do lamento, a determinação de usar o melhor possível os recursos disponíveis, o pragmatismo de ver a oportunidade e não apenas a restrição. Talvez seja isso que nos falta: saber o que é próprio de cada momento. Há um tempo para ambicionar, um tempo para discutir e um tempo para fazer. Não gostamos do relatório do FMI, entre outras coisas, porque nos confronta com a necessidade de tomar decisões. Fazer.
Uma parte do jogo em que somos bons consiste em empurrar as responsabilidades para terceiros. A verdade é que em Portugal, tal como em muitos outros países, não percebemos o impacto da globalização na sua plenitude. Iludidos com os meios que fomos conseguindo captar, fossem eles fundos europeus ou crédito, alimentámos a ilusão de que poderíamos viver como achávamos que merecíamos e não como podíamos. Esquecemos alguns princípios base da economia, no seu sentido etimológico de governo da casa: não se pode viver, para sempre, acima da riqueza que somos capazes de criar. Quando os credores se aperceberam disso, deixaram de emprestar ou passaram a exigir um "preço" (juros e regras) mais elevado, quiçá demasiado elevado, para continuarem a disponibilizar recursos. O resto da história conhecemo-la bem de mais.
Tal como os empréstimos iniciais estimularam a nossa ilusão de sermos mais ricos do que o que éramos e fomentaram a dívida, pode acontecer que as condições draconianas ora impostas acabem por se revelar excessivas, limitando, por paradoxal que pareça, a nossa capacidade para a solver. Não estou a falar só de percepções: pagar a dívida, num contexto de acesso limitado ao endividamento, dá-nos a sensação de empobrecimento por termos de canalizar, para o exterior, recursos a que antes chamávamos nossos. Falo de factos concretos. Temos deveres contratuais a cumprir e a obrigação moral de não desperdiçarmos recursos e, sobretudo, por respeito por nós próprios, a responsabilidade de mudar de rumo. Nada disto acontece fora de um tempo e de um contexto. É isto que os técnicos do FMI parecem ter dificuldade em compreender. Precisamos, não restam dúvidas, de ajustar a despesa, para podermos respirar fiscalmente. Ajuste quantitativo e qualitativo: um Estado que seja, apenas, uma fotocópia reduzida do anterior continua a ser mau. Não vejo, porém, como podemos alcançar os cortes propostos, no prazo previsto, sem convulsões sociais destrutivas, que podem hipotecar a democracia. Acresce que redefinir as funções do Estado requer consensos e tempo. É preciso, por fim, salvaguardar alguma margem de manobra para não desistir do crescimento. A saída? Reforçar o compromisso com o ajustamento mas reivindicar, pelo menos, mais um ano para o concretizar. Fazê-lo implica voltar à primeira forma, envolvendo Governo, parceiros sociais e o PS. Passos Coelho terá a humildade de perceber que errou no caminho escolhido?
O autor escreve segundo a antiga ortografia