<p>Há um bom par de anos, um jornal revelava, com todos os pormenores, que um destacado dirigente desportivo, sujeito abastado, declarava ao fisco rendimentos de miséria. A coisa cheirava tanto a esturro que deu brado. No entanto, a primeira preocupação do ministro das Finanças da época não foi indagar acerca da veracidade da notícia; foi determinar a abertura de um inquérito para apurar quem violara o sigilo fiscal. </p>
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Mais do que uma vez esse episódio me veio à memória, perante notícias recentes sobre serviços secretos que vigiam procuradores, processos-crime a magistrados e inquéritos para descobrir quem transmite à Comunicação Social informações em segredo de justiça, sempre associadas à palavra mágica "Freeport". Não sei se tais notícias têm fundamento. Pressinto é que, mesmo que o fumo não esconda fogo, degradam ainda mais a imagem da Justiça.
Quando manifesta o receio de que, neste pantanoso ambiente, os cidadãos se furtem a colaborar com as autoridades, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, acerta na "mouche". Se a prioridade é caçar as fontes de informação dos jornalistas ou deixar em suspenso um cutelo que a todo o momento se pode abater sobre quem no terreno investiga a prática de crimes, o que se hipoteca é primeiro a autonomia do sistema judicial, depois a independência, que é garante da equidade.
A confiança, essa, é todos os dias abalada. Investigações que se perdem no tempo ou na gaveta e processos judiciais que se eternizam, de recurso em recurso, até à prescrição final - quantas vezes nos assalta a ideia de que quem tem (dinheiro para pagar) bons advogados safa-se sempre... - levam a que a denúncia de casos pela Imprensa seja encarada como "punição" dos infractores, suficiente porque única. Como as condenações, em especial no domínio da criminalidade económica, se contam pelos dedos, "contentamo-nos" com a revelação pública.
Bem sei que o tempo dos média não é o tempo da Justiça. E que justiça feita à pressa se arrisca a ser tão injusta como a que se prolonga indefinidamente no tempo. Porém, observações comuns como "a este não vai acontecer nada, mas já sabemos que é corrupto" devem ser tomadas como expressão de uma perversa tendência. Perversa tanto pelo que representa de falta de credibilidade da Justiça como por se ancorar na ilusão de que os media a podem substituir. Os jornalistas não são polícias nem juízes. Cabe-lhes o papel de denunciar, nunca de julgar. Mas nem sempre são capazes de separar o trigo do joio, nem sempre proporcionam igualdade de armas. Pior: deixam por vezes campo aberto a julgamentos populares.