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Sinais? A proposta do Governo de ligar a redução das taxas dos impostos ao desempenho da cobrança faz sentido. Há quase dois anos tinha feito proposta idêntica nesta coluna, no âmbito de uma iniciativa mais vasta a que chamei pacto fiscal. O Executivo fala, agora, de contrato fiscal e centra-se, ao que se percebe, na redução da sobretaxa do IRS. Do mal o menos, desde que o indexante sejam as receitas e não o saldo. Explico. Se o contrato, nesses termos, já estivesse em vigor este ano, teria havido uma baixa da taxa de imposto. Como não estava, a folga foi aproveitada para prolongar a leniência com a despesa pública. No meio disto tudo sobra a hipocrisia de Paulo Portas. Qual é a maneira de reduzir, de uma forma coerente e estrutural, a despesa? Adivinhou! Fazendo ou, pelo menos, começando uma reforma do Estado. Quem era o responsável por dar o pontapé de saída? Adivinhou!
De Ferro Rodrigues veio um outro sinal. Positivo. De seriedade. Rompendo com a postura oportunista da extrema-esquerda, de querer sol na eira (menos impostos) e chuva no nabal (mais despesa) e assumindo as consequências das prioridades: se queremos manter o Estado social, a eventual redução de impostos nunca será muito grande. Como diz o povo, não se fazem omeletes sem ovos. As declarações de Ferro Rodrigues são um passo em frente na clarificação das diferenças entre os partidos, uma nova postura que se saúda. Se se ficar por aqui indicia, contudo, alguma resignação quanto à capacidade de se libertarem recursos por via da reforma do Estado.
O Governo desafiou o PS a assinar o tal contrato fiscal. Se estiver a ser sério, há-de admitir a discussão dos respectivos termos. Dadas as relações entre os dois partidos, talvez o PS recuse. Ou talvez traga para o debate a sua prioridade às questões sociais que não se hão-de resumir apenas à lógica passiva da rede social mas integrar outras dimensões cruciais como, por exemplo, a da educação, um bem em si mas também um instrumento para a mobilidade social. Nessa discussão há-de reconhecer-se a necessidade de discriminação positiva no processo de aprendizagem para quem provém de ambientes familiares e socioeconómicos mais desfavorecidos. "Mães com estudos, filhos com canudo" intitulava o "Expresso" esta semana. Não basta o ensino gratuito para garantir igualdade de oportunidades. Também aqui a política (?) de educação deste Governo falhou, logo aqui no que deveria ser um pilar de quem se arroga liberal. Como falhou no apoio aos alunos do ensino especial tornados um fardo para professores desamparados. Não se encarando de frente as dificuldades de aprendizagem, pode-se cumprir formalmente o que está na Constituição, ficar-se de boa consciência, mas nada se fez para alterar o modelo social vigente e dar conteúdo à celebrada igualdade de oportunidades. Custa dinheiro? Custa. Vale a pena. No plano dos valores. Mas também para quem se reja por contas mais comezinhas: permite um melhor aproveitamento de capacidades que, de outro modo, se perderiam.
Alguns estudos recentes têm olhado para o efeito da educação doutros prismas. Por exemplo, na relação com a saúde e a longevidade. Se retirarmos o efeito, nefasto neste caso, do que por comodidade designarei "civilização" ("fast food, gorduras, açúcar em excesso, sedentarismo), pessoas com mais escolaridade tendem a ser mais saudáveis e a viver mais. Se olharmos para o assunto pelo ângulo inverso, conclui-se que a probabilidade de sobrevivência quando se chega à idade de reforma é tanto menor, quanto menor for a educação. Pode decorrer do tipo de trabalho mas é, igualmente, fruto de hábitos alimentares desadequados e de falta de cuidados de, e com, a saúde. Tudo isso estará ligado, obviamente. Como resultado, pessoas com carreiras contributivas longas gozam poucos anos de reforma ou muito menos do que outros com pensões mais elevadas. Se este padrão se mantiver, geração após geração, objectivamente, os mais pobres estarão a financiar as pensões dos mais ricos, num processo de redistribuição perverso. As coisas são mesmo menos simples do que às vezes parecem.